Demarcação

Funai defende marco temporal para não demarcar área reivindicada por indígenas no Amazonas

Funai está sendo processada pelo Ministério Público Federal (MPF)

Waldick Junior
online@acritica.com
26/10/2022 às 18:55.
Atualizado em 26/10/2022 às 18:55

(Foto: Divulgação)

Após ser obrigada pela Justiça Federal do Amazonas a iniciar um processo de demarcação de terra indígena em Autazes (AM), a Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu da decisão e defendeu a tese do ‘marco temporal’ – apoiada por ruralistas – para não iniciar o estudo de demarcação na área. A Funai está sendo processada pelo Ministério Público Federal (MPF) sob a alegação de demora para a criação de um Grupo de Trabalho (GT) que identifique o território reivindicado pelo povo Mura desde pelo menos 2003.   

A tese do marco temporal é um entendimento jurídico que considera que indígenas só têm direito a um território se conseguirem provar que estavam no local quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada. O conceito era criticado pela Funai até pelo menos 2017, quando a Fundação recorreu no processo de demarcação do povo Xokleng, no supremo Tribunal Federal. No entanto, a Funai mudou de lado durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL), que é crítico da demarcação de terras.

“Para reconhecimento da ocupação tradicional, deve restar comprovada a ocupação da área na data da promulgação da Constituição ou demonstrado renitente esbulho que justifique o afastamento temporário da área, marco temporal que não restou analisada pela inicial”, diz o órgão no recurso apresentado à Justiça Federal.

A Funai cita ainda o julgamento atualmente paralisado no STF a respeito do marco temporal. Após empatar em 1 a 1, a ação foi retirada de pauta pelo ministro e então presidente da Corte, Luiz Fux, e desde então não voltou ao plenário. O objetivo da ação é fixar um entendimento para a demarcação de todas as terras indígenas do país. “Não houve análise quanto à eventual ocupação tradicional na data da promulgação da Constituição em 1988 como pressuposto para o deferimento da tutela antecipatória [decisão provisória]”, diz a Funai no recurso. 

‘Estranho’

Embora chame a atenção, não é a primeira vez que a Funai mostra ter mudado de lado em relação à teoria. Advogado do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Ivo Aureliano afirmou para A CRÍTICA que o argumento da Funai é ‘estranho’. A organização representada por ele participa da ação que corre no STF a respeito do marco temporal. 

“A Funai tem forçado a barra. Esse é um argumento estranho, mas representa o contexto em que estamos vivendo na Funai. Ela está defendendo uma interpretação aliada do agronegócio. Antes não tinha esse entendimento, mas eles começaram a mudar quando mudou de governo”, comenta o jurista.

Segundo ele, o marco temporal ainda não é uma tese definida, mesmo porque ainda está em julgamento no STF. “A Funai nem pode discutir isso no âmbito administrativo, de que o marco deve servir de parâmetro para demarcação”, pontua.

Entenda

No mês passado, a Justiça Federal do Amazonas determinou que a Funai dê prosseguimento ao processo de demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba, em Autazes (AM). O Local é o mesmo em que a empresa Potássio do Brasil planeja construir um empreendimento para exploração de minério.

Indígenas que vivem no local há mais de um século tentam demarcar o território desde pelo menos 2003, conforme documentos apresentados à Justiça. Na decisão, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe dá 30 dias para que a Funai crie um grupo de trabalho (GT) formado por servidores do órgão indigenista para estudos de identificação do território e do povo que vive na região. Essa é a primeira fase de um processo de demarcação.

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