Delegado aposentado da Polícia Federal, relata, na obra, trajetória da unidade da PF especializada no combate a crimes ao meio ambiente
Delegado aposentado, Jorge Pontes, foi o primeiro diretor da Divisão de Combate aos Crimes Ambientais da Polícia Federal (Livro: Divulgação)
"Eram só tartarugas". A frase ecoa ainda hoje em Jorge Pontes. Ele a ouviu quando era agente da Polícia Federal (PF) em uma de suas primeiras missões na Amazônia de combate ao tráfico de drogas, no final dos anos 1980. A apreensão dos entorpecentes, um sucesso, foi celebrada pelos agentes, que deixaram a outra carga de pouco mais de 100 tartarugas prosseguir, provavelmente para o abate ilegal.
Foi o estopim para que Jorge Pontes tomasse a iniciativa de criar dentro da PF uma estrutura para punir criminosos da fauna e da flora no País. Agora, a história da Divisão de Combate aos Crimes Ambientais da Polícia Federal (Editora Maplab - Rio de Janeiro, 2022) é contada no livro "Guerreiros da Natureza - A história do combate aos crimes ambientais na PF", de autoria do próprio Pontes, o primeiro diretor da divisão, hoje, delegado aposentado, bacharel em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e escritor, sendo este último, o terceiro livro.
Passadas duas décadas de criação da divisão, Pontes destaca os avanços em entrevista ao A CRÍTICA, porém afirma o desapontamento com alguns retrocessos da questão ambiental no País.
Legislação
O livro traz essa trajetória com detalhes de informações e de como a unidade e a PF colaboraram com o arcabouço da atual legislação ambiental. "Nós fazíamos as operações e éramos chamados para ir ao Congresso prestar informações. Nós conversávamos com os parlamentares como o Fernando Gabeira (que assina o prefácio do livro), a Marina Silva e o Carlos Minc (ambos ex-ministros do Meio Ambiente)", lembra o autor.
Havia também a estratégia de ao falar com a imprensa reforçar aos jornalistas: "A legislação sobre isso é frágil, precisa melhorar".
Para Jorge Pontes, a divisão da PF foi o início da presença maior do Estado na região e permitiu uma série de ações que puniu fraudadores do manejo de madeira, biopiratas que mandam partes de animais como artefato indígena, sem que nenhum indígena tenha tocado nos animais e garimpeiros ilegais.
"O garimpo deixa uma série de problemas não só para o meio ambiente, mas para os ribeirinhos e com uma complicação para a saúde, porque o mercúrio fica ali por pelo menos 100 anos, nos mananciais", frisa o autor.
Como essa presença do Estado foi minada nos últimos quatro anos, a região se vê assolada de criminosos do meio ambiente que estendem as redes para outras faces da criminalidade.
É o que aconteceu com o episódio do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira este ano na região do Vale do Javari. A suspeita é que os responsáveis pelas mortes estão envolvidos com a pesca ilegal e o tráfico de drogas.
Conflitos
"O País teve redução no número de assassinatos, menos nas regiões onde há crimes ambientais. É uma relação entre o crime ambiental, os do tipo convencional e a corrupção na área política, porque muitos políticos são financiados por esses criminosos que passam a ter representantes nos municípios, nas capitais e em Brasília", denuncia.
Segundo o escritor, as fronteiras podem ter o reforço das Forças Armadas, pois já há legislação que autoriza o uso como polícia dos militares nessas áreas. E nos demais pontos, sugere grandes unidades da PF com um bom contingente e estrutura incluindo aparato tecnológico.
"A questão do crime ambiental é que ele tem caráter de fatalidade pois afeta recursos importantes não só para os 20 milhões de habitantes da Amazônia, mas para o Brasil e o Mundo", alerta.
O livro, lançado no Rio de Janeiro, onde reside o autor, deve ter um evento para Manaus, mas ainda sem data e locais previstos.
"Manaus para mim é o epicentro para a defesa do Meio Ambiente, porque está na região de maior megadiversidade entre os países com megadiversidade. O mundo não olha mais para o Brasil por causa de futebol ou samba, mas por causa da Amazônia", diz Jorge Pontes.