BIODIVERSIDADE EM JOGO

Quais são os caminhos que a COP16 oferece para a Amazônia?

A COP16 da Biodiversidade Biológica da Organização das Nações Unidas (ONU), iniciou na última segunda, 22, com a missão de reforçar o que foi acordado na COP 15, em dezembro de 2022

Cley Medeiros
online@acritica.com
25/10/2024 às 14:48.
Atualizado em 25/10/2024 às 14:48

(Foto: UN Biodiversity)

Em Cali, na Colômbia, especialistas se esforçam para apresentar suas propostas e convencer os governos de que não é possível adiar qualquer legislação que assegure barreiras contra a destruição da biodiversidade, principalmente, em países como o Brasil, que vive uma corrida do agronegócio em regiões de floresta, grande parte nos territórios da Amazônia, como o Pará, Amazonas, Rondônia e Acre. O Brasil abriga mais de 20% da biodiversidade do planeta, sendo a metade na Amazônia, e o desmatamento para abertura de pastagem foi o maior responsável pela perda de biodiversidade na Amazônia, aponta o levantamento do MapBiomas.

A COP16 da Biodiversidade Biológica da Organização das Nações Unidas (ONU), iniciou na última segunda, 22, com a missão de reforçar o que foi acordado na COP 15, em dezembro de 2022. No encontro, os países se comprometeram a interromper e reverter a perda de biodiversidade global até 2030. As principais metas do que ficou conhecido como Pacto de  Kunming-Montreal incluem: aumentar significativamente o financiamento para proteger e restaurar a natureza; reduzir o impacto de espécies invasoras; combater a poluição por agrotóxicos e plástico; promover o manejo sustentável da agricultura; Incluir povos indígenas e comunidades tradicionais nas tomadas de decisões.

Só 25 países submeteram planos nacionais para proteger 30% da natureza até agora. O Brasil não é um deles. Os outros 170 países signatários – quase 80% do total – não apresentaram seus planos para deter a destruição, revelou uma investigação feita por Carbon Brief e Guardian. Apenas cinco dos 17 países que abrigam cerca de 70% da biodiversidade mundial, apresentaram estratégias e planos de ação nacionais para a biodiversidade (NBSAPs): México, Austrália, Indonésia, China e Malásia.

Apesar da baixa adesão, permanece alto o número de países interessados em participar das negociações, e isso é importante. Em entrevista coletiva, Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, e também presidente da COP16, apontou que o principal objetivo é “garantir a participação de todos os setores da sociedade". A Colômbia, que possui o maior número de biodiversidade por quilômetro quadrado do planeta, foi apontada pela ministra como exemplo de atuação nos avanços de leis e práticas que protegem a natureza.  “Esperamos que os demais países e atores considerem a proteção e a restauração da natureza com a mesma importância atribuída à descarbonização”, afirma Susana Muhamad.

(Foto: UN Biodiversity)

Amazônia como sujeito de direitos

Iremar Ferreira, do Instituto Madeira Vivo, de Rondônia, que integra a comitiva da Articulação Internacional da Natureza na COP16, aponta que uma das soluções para assegurar a existência da biodiversidade brasileira, principalmente na Amazônia, é considerar o bioma como um ‘sujeito de direito’, a exemplo do que já acontece na Colômbia. “Lançamos um manifesto para que acolham a proposta da declaração dos direitos da Amazônia aqui na COP16 da Biodiversidade. Essa é uma mensagem dos povos indígenas e movimentos sociais da Amazônia. É daqui que ecoa para o mundo que a Amazônia é um 'cidadão de direito'”, aponta. A declaração foi elaborada em forma de carta durante o 11º Fórum Social Amazônico, na Bolívia.

Desde 2018, a Colômbia se tornou um dos poucos do mundo a incluir esse direito na sua legislação, após uma decisão da Corte Superior de Justiça. A medida também estabelece metas de redução do desmatamento e emissões de gases do efeito estufa. Em 2008, o Equador foi o primeiro país a reconhecer os direitos da natureza na sua Constituição, ao definir que a natureza tem o "direito de existir, persistir, manter e regenerar seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos". 

Atualmente, grande parte dos países incluem o direito ambiental como um princípio jurídico para assegurar a existência da biodiversidade. No entanto, o movimento que defende a mudança dessa legislação aponta que o status atual não garante medidas efetivas de proteção. 

“A principal diferença entre o Direito Ambiental e os direitos da natureza está em quem é o sujeito de proteção. No Direito Ambiental, o foco é proteger o meio ambiente como um bem para garantir o direito humano a um ambiente saudável; ou seja, o ser humano é o sujeito principal, e a natureza é um objeto a ser protegido para o benefício humano. Já nos direitos da natureza, a própria natureza — incluindo todos os seres, humanos e não humanos — é reconhecida como sujeito de direitos, sendo protegida em si mesma, sem a visão de que o ser humano é superior sobre ela ou o direito de explorá-la como recurso”, aponta o Reinaldo Tavares, professor do curso de direito da Universidade Federal do Amazonas, especialista em direito ambiental.

Em junho deste ano, a deputada federal indígena Célia Xakriabá (PSOL-MT) realizou uma audiência na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais da Câmara dos Deputados, com o objetivo de debater a proposta de uma Emenda à Constituição (PEC) que acrescenta “os direitos fundamentais aos seres pertencentes à natureza e necessários para sua preservação”. Caso fosse aprovada, a PEC mudaria o inciso III, do Título I, do artigo 1° da Constituição Federal, para conferir dignidade aos seres não humanos.  O Partido Verde também propôs medida semelhante. 

Em 2017, Bonito (PE) se tornou pioneiro no Brasil ao reconhecer os direitos da natureza, dando início a um movimento que, apesar das adversidades enfrentadas com o desmonte das políticas ambientais em gestões passadas, ganhou força no país. Em 2023, o Brasil celebrou outro marco com o reconhecimento dos direitos do rio Laje, em Rondônia. Para assegurar a preservação desse ecossistema, a lei prevê a criação de um comitê de guardiões responsáveis por monitorar o fluxo natural, garantir a quantidade adequada de água e preservar as condições físico-químicas essenciais para o equilíbrio ecológico do rio.

Para especialistas, medidas como esta colaboram para proteger a biodiversidade, além de criar segurança jurídica que fortalecem decisões como as negociadas na COP16 da Biodiversidade.

(Foto: UN Biodiversity)

Para evitar o ponto de não retorno

 Com mais de 40 mil espécies de vegetais, 3 mil peixes, 1 mil de aves, 450 mamíferos, 400 anfíbios, 400 répteis e quase 130.000 invertebrados, o Painel Científico para a Amazônia estima que ainda existam muitas espécies desconhecidas na região amazônica. Um dos principais desafios da COP16 é apontar caminhos que aumentem as chances dessas populações não serem ameaçadas. A medida faz parte do esforço global para interromper o ponto de inflexão climático em alguns biomas, como a Amazônia. 

O cientista Carlos Nobre, do Painel de Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC, afirma que o Brasil tem condições de reduzir o desmatamento e zerar a emissão dos gases de efeito estufa antes mesmo da China ou Estados Unidos. “Sim, o Brasil tem chances de zerar as emissões e o desmatamento. É um importante passo para preservar espécies, que, em muitos casos, só existem na região”, afirma o cientista. 

Durante um dos paineis da COP16 que abordou o ponto de não retorno, ou ponto de inflexão, Roberto Troya, Diretor Regional para América Latina e Caribe do WWF (World Wildlife), alertou que a Amazônia pode se tornar uma savana, caso as metas estabelecidas não sejam cumpridas. 

"Devemos tomar ações fortes e decisivas para garantir que a Amazônia, esse bioma maravilhoso, se afaste do ponto sem retorno. A transformação da Amazônia em uma vasta savana pode afetar as metas globais de clima e biodiversidade, ao mesmo tempo em que priva milhões de pessoas de seus meios de subsistência, água e alimentos, bem como milhões de espécies de sua capacidade de sobreviver. Alcançar isso não será possível sem entender o papel das comunidades locais, povos indígenas, mulheres e jovens. Precisamos parar o desmatamento e a mineração ilegal e garantir uma conservação eficiente e equitativa com base nos direitos humanos”, afirmou Troya.

(Foto: UN Biodiversity)

Proteger os protetores

Em grande medida, povos indígenas e ribeirinhos, por exemplo, atuam como protetores da biodiversidade na Amazônia. Esse cenário se repete em outros biomas, quando povos originários coexistem com o meio ambiente. A COP16 busca encontrar formas de financiar projetos inovadores que incluam estas populações no centro das discussões acerca das soluções para a preservação.

Atualmente, dois debates que acontecem na COP16 concentram essa perspectiva: o fundo de financiamento da Informação de Sequência Digital (DSI, na sigla em inglês) — dados genéticos digitalizados que impulsionam setores da saúde, agricultura e cosméticos, mas que ainda geram poucos retornos para as nações de onde esses dados se originam, e o fundo da biodiversidade. Ambos são negociados como uma medida de compensação aos países que possuem alto índice de preservação e biblioteca genética.  Como presidente da COP16, a ministra do meio ambiente da Colômbia afirma que o país tem uma grande expectativa de que as outras nações avancem nas metas de financiamento.
O avanço tecnológico trouxe a digitalização do material genético, tornando as amostras físicas cada vez menos necessárias. Cientistas e empresas agora recorrem a bancos de dados públicos, que armazenam o código genético de milhares de espécies em formato digital. Esse recurso tem sido essencial no desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas, além da criação de produtos agrícolas mais resistentes e produtivos. No entanto, o uso de DSI — que movimenta aproximadamente 1,6 trilhões de dólares por ano em indústrias como a farmacêutica, agrícola e cosmética — raramente resulta em benefícios para as comunidades e países que abrigam essa diversidade genética.

Entre as opções em debate na COP16, discute-se a possibilidade de cobrar setores como o farmacêutico e o cosmético com base em uma porcentagem da receita ou dos lucros obtidos, redirecionando esses fundos para ações de conservação e desenvolvimento nos países de origem dos dados genéticos. O objetivo é estruturar um mecanismo de compensação que favoreça não apenas os governos, mas também projetos específicos de preservação da natureza.

Especialistas e representantes dos países em desenvolvimento defendem que uma divisão equitativa dos benefícios gerados pela DSI é crucial para a preservação da biodiversidade. O financiamento adequado incentivaria a proteção dos ecossistemas e fomentaria o desenvolvimento sustentável em comunidades locais. Esse modelo de redistribuição poderia significar um passo importante na criação de uma economia verde, onde as nações responsáveis por manter a biodiversidade não apenas se beneficiam financeiramente, mas também investem em medidas de conservação.

Enquanto as negociações avançam, espera-se que um acordo seja alcançado até o final da COP16. Para países como o Brasil e a Índia, a conclusão bem-sucedida dessas tratativas pode representar uma nova era de justiça e sustentabilidade, onde a biodiversidade é valorizada tanto em seu papel ecológico quanto em seu potencial econômico. Fran Price, Líder de Práticas Florestais do WWF, disse: “Na COP16, estamos pedindo um aumento significativo no financiamento e investimento para florestas, maior responsabilização no rastreamento, monitoramento e relatórios de promessas, bem como o estabelecimento de metas nacionais ambiciosas e rápida implementação dos compromissos existentes. Agora é a hora de demonstrar vontade política renovada e liderança para deter e reverter a perda florestal até 2030”, finaliza Fran Price.

Esta reportagem foi produzida por Cley Medeiros para o A Crítica como parte da Bolsa Virtual da CDB COP16 de 2024, organizada pela Earth Journalism Network da Internews.

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