Frente de Defesa Amazônica classifica discurso de Bolsonaro como 'vergonhoso'
'É com angústia e vergonha que lideranças indígenas e não indígenas receberam as declarações do presidente durante abertura da Assembleia Geral da ONU', diz o trecho da nota assinada por cinco entidades do AM

Membros da Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) classificaram o discurso do presidente Jair Bolsonaro, durante abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na terça-feira (24), como 'vergonhoso' e 'angustiante'. Formada por entidades indígenas e não indígenas, cerca de cinco associações do Amazonas nomeou o presidente brasileiro como 'colonizador', além de afirmar que Bolsonaro viola a Constituição Brasileira nos artigos que trata dos direitos indígenas.
Durante o discurso na ONU, Jair Bolsonaro, criticado pela comunidade internacional pelos incêndios na Amazônia, defendeu a soberania do governo brasileiro sobre o território da maior floresta tropical do mundo.
"É uma falácia dizer que a Amazônia é a herança da humanidade, e um equívoco confirmado pelos cientistas dizer que nossas florestas são os pulmões do mundo", assegurou Bolsonaro ao abrir a Assembleia Geral, uma honraria que por tradição das Nações Unidas cabe ao Brasil, com um discurso que durou mais de 30 minutos, o dobro do que costuma ser esperado.
O presidente brasileiro, que assegura haver "uma psicose ambiental" e defende a exploração comercial em áreas de preservação tanto ambiental quanto indígena, denunciou que há governos estrangeiros que se aproveitam de líderes indígenas, como o cacique Raoni, da tribo kayapó, usando-os como "peça de manobra (...) na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia".
Sem mencionar diretamente a França, ou seu presidente, Emmanuel Macron, Bolsonaro também acusou os governos estrangeiros de se portarem "de forma desrespeitosa, com espírito colonialista".
Confira a íntegra da nota da FAMDDI
É com angústia e vergonha que lideranças indígenas e não indígenas, membros da Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) recebem o discurso do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia desta terça-feira, 24 de setembro de 2019, particularmente, em relação aos indígenas brasileiros e, mais especificamente, aos da Amazônia, alvos de ataques sem precedentes desde a colonização.
Presidente Jair Bolsonaro, o senhor certamente deve ter lido a Constituição em vigor no nosso País e, pedimos, com respeito, para que releia os Artigos 231 e 232 desta Carta Magna que o senhor jurou respeitar e cumprir em seu ato de posse. Neles está garantida a plena cidadania dos indígenas brasileiros, com respeito às suas diferenças, às suas crenças, saberes e suas culturas e, principalmente, o direito à terra.
Em seu discurso para o mundo ver, presidente, o senhor volta a acusar os indígenas pelas queimadas que aumentam em proporções jamais vistas na Amazônia e, tal qual um colonizador de outrora e um dominante atual, manipula indígenas iludidos crentes que irão usufruir do pseudo desenvolvimento desenhado pelo sistema perverso de sempre e fermentado pelo seu governo.
No jogo da manipulação, o seu discurso sobre a exploração das terras indígenas é recepcionado pelos exploradores como uma “carta em branco” para invadir, expropriar, arrendar esses territórios, e obter lucro bilionário para bilionários cuja trajetória é a de saquear. Aos povos indígenas restarão as mazelas, doenças, fome e morte. Presidente, o senhor deve saber que a própria atividade defendida por seu governo exclui o indígena e ignora o cuidado com o Meio Ambiente. A Amazônia precisa, urgentemente, de Governos que queiram preservá-la.
Os povos originários têm muito a dizer sobre isso. Conheçaos e saberá. Não veja os povos indígenas de forma pejorativa. Não são “homens da caverna”, como afirmou em seu discurso. Os indígenas são Gente da Floresta, dos Rios, da Natureza. São o sangue, as tradições e parte importante da Cultura do País que o senhor preside. Os povosindígenas têm a marca do respeito à Natureza, princípio que consagra o desenvolvimento que se realiza pela conexão ecológica. Senhor presidente, os povos indígenas não são únicos, de fato, mas não use a diferença como arma de destruição, pois reside na diferença o elo divino e natural para o relacionamento humano, crescimento espiritual e alegria de viver.
A FAMDDI luta contra os colonizadores que ergueram preconceitos e discriminação contra os povos indígenas, e continuará lutando contra os preconceitos, a discriminação e as injustiças contra os Direitos dos Indígenas, hoje ameaçados pelo seu governo. Senhor presidente, a diversidade étnica é a expressão que mantém forte a existência dos povos indígenas e um dos alimentos da luta pela construção do bem viver. Nas aldeias e nas cidades, os indígenas reafirmam o direito de estudar e aprender a mexer num computador, colocar roupas e falar outras línguas sem deixar de ser indígenas.
A luta travada é pelo respeito que os indígenas merecem ver realizado no Brasil. O seu discurso na Assembleia da ONU foi desrespeitoso; ameaçador a um líder indígena, Raoni, que tem uma trajetória histórica na defesa dos povos indígenas; e ameaçador aos indígenas quando declara, internacionalmente, que não irá demarcar terras indígenas, agride assim a Constituição do país que o senhor governa e passa por cima dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Hoje, senhor presidente, sentimos indignação por sua conduta perante o mundo.
Para quem o senhor governa? Isto não é democracia!
Manaus, 24 de setembro de 2019
Assinam esta carta, como membros da FAMDDI:
Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMARN) Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi Norte I) Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (Foreeia)
Serviço de Ação, Reflexão e Educação Sociambiental na Amazônia (SARES)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas (SJP-AM)
Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya)