Indígena baleado em confusão no interior do AM corre risco de perder a mão
O Baré Arlindo Nogueira foi atingido durante uma discussão envolvendo comunitários, policiais e praticantes de pesca esportiva. No hospital, ele foi algemado por policiais ao leito
O vigilante indígena Arlindo Nogueira – baleado na última sexta-feira, na Terra Indígena (TI) Jurubaxi-Téa, em Santa Isabel do Rio Negro (a 630 km de Manaus), durante uma discussão envolvendo comunitários, policiais civis e militares e praticantes de pesca esportiva – corre o risco de perder uma das mãos.
Familiares de Arlindo e integrantes da Casa do Índio (Casai) disseram que ele está fora de perigo, porém passará por novas avaliações hospitalares para fazer uma cirurgia. O tiro atingiu o braço e a mão dele.
Segundo o presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, situações de intimidação assim são comuns, mas o uso da violência, não. “Estamos tomando as devidas providências e a apuração dos fatos. Que isso não fique impune para não ter esse mau costume de intimidar lideranças dentro do seu próprio território”, disse. Nesta quarta-feira (20), Marivelton cumpre agenda com reuniões com representantes do Governo do Estado e do Ministério Público Federal (MPF-AM) para tratar sobre esse assunto.
De acordo com comunicado oficial da Foirn, no último dia 16 de novembro, o barco hotel da empresa Amazon Sport Fishing passou sem parar pelo posto de segurança do rio Uneuixi, próximo a comunidade Tabocal, na TI Jurubaxi-Téa. Os vigilantes indígenas solicitaram a parada da embarcação, que ignorou os chamados, seguindo rio adentro.
Para forçar os responsáveis a parar e dialogar com as lideranças indígenas, um dos botes atracados ao barco principal foi desamarrado e apreendido pelos comunitários. No barco estavam o proprietário Flávio Talmelli, funcionários da empresa, turistas e três policiais (dois civis e um militar) à paisana.
O empresário Flávio Talmelli, escoltado pelos policiais armados com metralhadora e pistolas à vista, foi até a comunidade para recuperar o bote. Ao chegar ao local, deu voz de prisão aos indígenas informando que era uma autoridade federal, ameaçando também mulheres e crianças no local.
Conforme o comunicado, os policiais fizeram disparos para o chão e contra a escola. Nisso, o vigilante do Projeto de Pesca Esportiva desenvolvido pela Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (ACIMRN) Arlindo Nogueira, da etnia Baré, tentou segurar a metralhadora de um dos policiais e foi atingido no braço. A vítima foi socorrida por familiares e levado ao hospital mais próximo na sede de Santa Isabel.
Já na sede do município, o indígena baleado e os familiares que o acompanhavam receberam ordem de prisão da parte dos policiais, que já o aguardavam. Na ocasião, prenderam o filho de 15 anos de Arlindo, que passou a noite preso. Já o indígena, ficou algemado no hospital de Santa Isabel.
No comunicado, a Foirn considera a ação de invasão e as tentativas de intimidação inaceitáveis. “É um absurdo que agentes públicos de segurança agridam indígenas em seu território, defendendo interesses privados de um empresário que atua fora da lei. Transformando o histórico de exploração da população local e dos recursos naturais, os projetos de turismo de pesca esportiva desenvolvidos pelas comunidades indígenas no Médio Rio Negro retiram dos empresários o poder de decisão unilateral. Ao contrário do discurso mentiroso de que as terras indígenas atrapalham o desenvolvimento, essas iniciativas trazem a oportunidade de novas parcerias para o município estruturar o turismo, preservar os rios e arrecadar dentro da legalidade”, diz a Foirn.
Ao tomar conhecimento do caso, o MPF-AM solicitou à Justiça o envio de agentes da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) ao município. No último sábado (17), eles interrogaram os policiais que acompanhavam o empresário e coletaram depoimentos da comunidade e dos representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai). O empresário Flávio Talmelli não foi interrogado, porque, segundo o comunicado, fugiu do local em sua embarcação.
SSP-AM promete apurar as condutas
A SSP-AM informou que o secretário Amadeu Soares determinou que uma equipe da PC, PM e corregedoria se deslocasse ao local na manhã de sábado. Por determinação do MPF-AM, dois policiais federais também acompanham a ação. “Haverá uma apuração e quem estiver errado será punido”, afirmou Soares.
Empresa à disposição da Justiça
O representante da Amazon Sport Fishing conta uma versão diferente. Segundo o diretor comercial e de operações da empresa, Daniel Nápoli, os comunitários furtaram o barco de pesca e cortaram as cordas que o prendiam na embarcação. Ele, que está fora do Amazonas, disse que os policiais estavam em uma diligência quando constataram que houve o ato infracional.
“Pelo que eu sei, enquanto estavam conversando, houve um tumulto. Um dos comunitários tentou tirar a arma e o policial agiu em legítima defesa”, disse. Ele afirma ainda que não se sabe de onde o tiro partiu, já que os dois estavam em uma luta corporal.
Daniel Nápoli afirmou que Flávio Talmelli está à disposição da Justiça para prestar os esclarecimentos do ocorrido e que ele não fugiu, apenas está cumprindo o cronograma do barco, que ainda está em excursão pelos rios da região. Nesta quinta-feira (22), ele deverá voltar a Santa Isabel.
Nápoli acrescentou que, até agora, não foram acionados para prestar esclarecimentos nem na sede, em São Paulo, nem em Santa Isabel e nem no escritório do advogado da empresa, em Manaus. “Estamos aguardando e qualquer decisão tomada, nós iremos acatar”, disse.