Vida

Artistas se unem a público através do financiamento coletivo para manter a produção artística

Última reportagem da série 'Resistência' aborda como artistas têm utilizado plataformas como o Catarse para se manter na ativa

Lucas Jardim*
27/05/2015 às 20:04.
Atualizado em 19/03/2022 às 19:28

(Peça "Complexo de Gaivota" é uma das várias que busca financiamento em plataformas coletivas)

No afã de fazer seus projetos virem à luz, ou mesmo na busca da necessidade mais primordial, permanecer de pé, atores e companhias de teatro têm optado por uma nova e colaborativa forma de angariar fundos, as plataformas virtuais de financiamento coletivo. É com esse tema que encerramos nossa série especial “Resistência”, que viu o BEM VIVER apresentar histórias de luta de produtores e artistas das artes cênicas para se manter na ativa.

A imagem de “vaquinha virtual” dessas plataformas ficou no passado, com o financiamento coletivo sendo defendido por vários figurões do entretenimento, como a cantora e compositora americana Amanda Palmer, que conseguiu impressionantes US$ milhões para a gravação de seu disco “Theater Is Evil”, o maior valor a ser arrecadado por um projeto musical no Kickstarter, plataforma que é sinônimo de financiamento na gringa e já tornou vários projetos, desde filmes como Veronica Mars (2014), baseado na cultuada série de TV, até jogos eletrônicos.

Se os exemplos parecem distante da nossa realidade, bem, talvez eles simplesmente sejam: o teatro é uma arte bastante distinta da música ou do cinema, e a realidade brasileira é diferente da americana. No entanto, a luta para tirar certos projetos do papel é a mesma, como notam os diretores de teatro Roberto Alvim e Juliana Galdino, que, este mês, conseguiram os fundos para manter aberta sua companhia de teatro Club Noir através de uma campanha numa plataforma nacional similar ao Kickstarter, o Catarse. O título da campanha? “Resistência Club Noir”.

Com uma meta inicial de R$ 30 mil e máxima de R$ 100 mil, o projeto pretendia a manutenção do espaço do Club Noir (localizado numa cada vez mais gentrificada rua Augusta, em São Paulo), a produção de três novos espetáculos estreantes, bem como a realização de um ciclo de palestras com Alvim e Galdino e de uma mostra e uma festa para celebrar os 10 anos da companhia, completos este ano.

O projeto acabou angariando pouco mais de R$ 52 mil, o que, a priori, garante apenas a manutenção do espaço e as três estreias, mas já caracteriza a empreitada como bem-sucedida. “Estamos esperando receber esse dinheiro. Assim que ele chegar, conseguiremos pagar quatro meses de aluguel atrasado e dar continuidade às nossas atividades pelo menos até o fim desse ano”, contou Alvim.

A vitória do dramaturgo, no entanto, não deixa de ser agridoce se levarmos em consideração a cena como um todo, afinal, não é todo projeto que luta por financiamento que tem uma figura de renome na arte como Alvim ou uma companhia celebrada como a Club Noir à frente, nem as benesses que vêm com isso. Por exemplo, um dos maiores apoiadores da causa foi o ator Fábio Porchat. “Eu tinha sido professor dele dez anos atrás na [Casa de Artes de Laranjeiras] CAL. Ele começou a escrever as primeiras coisas e mostrou pra mim, que dava aula de dramaturgia. Perdi o contato com ele e agora, sabendo das nossas dificuldades, ele nos procurou pra dar uma colaboração... Foi uma alegria inesperada”, comentou Alvim.

Roberto Alvim conseguiu manter sua companhia de teatro, a Club Noir, de pé graças a uma campanha na internet (Foto: Ernesto Vasconcelos)

Cena local

A cena local, no entanto, não conta com a proeminência da iniciativa paulistana e objetiva metas bem mais modestas. Ainda assim, obras de artes cênicas do Estado obtêm variados graus de sucesso.

O ator Gleidstone Melo, que recentemente colocou um espetáculo no Catarse, comentou que a ideia de fazer isso veio de um projeto local bem-sucedido na plataforma. “Participei da peça ‘Noites Pouco Antes das Florestas, da Thaís Vasconcelos, em dezembro do ano passado. Conseguimos cerca de R$ 1.500 em financiamento coletivo, com pouco mais de 20 apoiadores. Esse número cobriu a maior parte das nossas despesas, que eram relacionadas a figurino e cenário. O resto eram coisas mínimas que pagamos nós mesmos”, explicou.

Esse foi um dos fatores que pesou na hora de buscar apoio financeiro para produzir sua peça “Senti um Vazio Quando o Coração Foi Embora”. “Como era um trabalho de conclusão de curso, sabíamos que ia ser difícil conseguir fomento de editais, então, baseado na experiência da Thaís, acabei escolhendo o Catarse como um meio de fazer o espetáculo”, disse.

Da meta de R$ 1.800, a campanha de Gleidstone alcançou apenas R$ 180, o que acarretou mudanças no projeto. “O dinheiro serviria largamente para custear o espaço onde nos apresentaríamos, que inicialmente seria uma residência que alugaríamos. Agora, ainda queremos tocar a peça, mas será feita no espaço da Ateliê 23”, explicou.

Thaís agora está no Catarse na tentativa de financiar uma nova peça, “Complexo de Gaivota”, que deve estrear em junho. Dessa vez, o valor que eles pedem é R$ 3.500, que contemplam figurino, cenário e aluguel do espaço, no entanto, a despeito do sucesso prévio, ela confessa que está tendo dificuldades em conseguir arrecadar fundos dessa vez (a propósito, você pode apoiar a peça clicando aqui aqui ).

“Na primeira vez que eu fiz, eu mobilizei muita gente e deu certo. As pessoas que me apoiaram anteriormente me dizem: ‘ah, já te apoiei uma vez na vida e não vou de te dar mais um centavo’ [risos]. Mesmo considerando que pedi uma campanha com tempo maior, já que o valor é maior, eu reparei que faltam 30 dias para concluir a campanha e eu tenho pouquíssima grana”, relatou a dramaturga.

Thaís comenta sobre as experiências com financiamento coletivo (Foto: Evandro Seixas)

Forma válida

Apesar disso, ela recomenda essa forma de financiamento tanto para artistas novos quanto para experientes. “Acho válido para qualquer pessoa que queira mostrar seu trabalho e que precisa de apoio, afinal essas plataformas são hoje o [equivalente ao] que os mecenas faziam antigamente”, opinou.

No entanto, ela tem ressalvas. “Pedir apoio não é problema nenhum, o problema é mobilizar, [então] depende muito do círculo em que essa pessoa vive. Se ela tem muitos amigos, se ela tem pessoas que gostariam de apoiá-la, eu aconselho, mas se a pessoa não tiver tantos contatos, talvez não funcione”, refletiu.

De sua parte, Gleidstone defende o financiamento coletivo pela independência que o formato permite e diz que pretende insistir nele. “Acho que é bem válido, pois a produção não depende de edital nem de esperar o interesse da iniciativa privada. Até semana que vem, vamos nos lançar numa nova plataforma do tipo, o Kickante, que permite que você fique com o dinheiro arrecadado independentemente de você ter atingido a meta, ao contrário do Catarse”, concluiu.

*colaborou Rosiel Mendonça

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