Música

Dona Onete reúne carimbós e ritmos amazônicos em seu novo disco, ‘Banzeiro’

Aos 77 anos, a cantora e compositora paraense lança segundo álbum com 12 canções que evocam temas e imagens do cotidiano amazônico, com graça e muito humor

Jony Clay Borges
05/08/2016 às 20:42.
Atualizado em 11/03/2022 às 22:34

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Aos 77 anos, Dona Onete vive o auge do sucesso: a musa do carimbó chamegado já foi tema de documentários e produções de cinema e TV no Brasil e no exterior, exibiu sua música nos palcos da Europa e atualmente se prepara para uma série de shows nos Estados Unidos, passando por cidades como Nova York e Albuquerque. Mas a fama está longe de lhe subir à cabeça.

“Nada disso me faz ficar com pavulagem, não. Estou mais preocupada é com os nossos músicos e com as coisas da gente da Amazônia”, declara a cantora e compositora à reportagem, em entrevista por telefone. Paraense criada entre Igarapé-Miri e Belém, ela se orgulha das raízes e acha graça da ideia de vir a se tornar ‘americanizada’. “Deus me defenda, não quero não! Meu jeito de cabocla continua. Sou cabocla descendente da tribo Aruã do Marajó”.

Dona Onete – nascida Ionete da Silveira Gama, em Cachoeira do Arari, em 1938 – dá mais fôlego à carreira com o lançamento de seu segundo CD, “Banzeiro” (Na Music/Natura Musical). O álbum com 12 faixas – disponível para streaming pelo portal www.naturamusical.com.br – reúne carimbós, boleros e banguês – ritmo festivo dos escravos de engenhos no interior do Pará – que evocam temas e imagens do cotidiano amazônico.

“Coloquei também uma cúmbia, ‘Queimoso e tremoso’, que fala da nossa pimenta de cheiro queimosa e da flor do jambu que dá aquele tremoso e que é um grande sucesso em Belém, por onde você anda é exportação!”, comenta a artista.

Humor e balanço

Além dos elementos regionais, que aparecem também em músicas como “Tipiti” e “Banzeiro”, o balanço e o humor são outras marcas registradas das composições de Dona Onete. “A garça namoradeira/ Namora o malandro urubu/ Eles passam a tarde inteira/ Causando o maior rebu/ Na doca do Ver-o-Peso/ No meio do pitiú”, canta ela em “No meio do pitiú”, que ganhou videoclipe gravado no famoso mercado público de Belém (confira o vídeo no final desta matéria).

“Chega de tragédia, que é só o que a gente vê no jornal, na televisão. Humor é um tipo de aconselhamento das pessoas, é aquilo que as pessoas querem ouvir”, declara a cantora e compositora, que vê nas canções bem humoradas uma forma de se aproximar do público. “Não quero ser aquele ídolo musical, distante, mas quero ser sua amiga, aquela que canta com carinho”.

Novo álbum chega às lojas quatro anos depois do disco de estreia, “Feitiço caboclo” (Reprodução)

Carreira tardia

“Banzeiro” é o segundo álbum de Dona Onete, que estreou em disco há quatro anos com “Feitiço caboclo”. Por que a chegada tão tardia ao mercado musical? “Eu não queria sair pro mundo cantando sem ter um dinheiro certo. Primeiro me aposentei como professora, e agora que tenho uma aposentadoria, o que vier é lucro”, confessa ela.

A música fez parte da vida de Dona Onete desde a infância, na verdade. “Ouvi muito músicas antigas quando era jovem. Bolero, tango, samba-canção, cantava tudo, todos os ritmos”, relembra. E a paixão seguiu no seu cotidiano como professora de História e Estudos Amazônicos do Ensino Fundamental.

“Eu fazia uma aula recreada, já ouviu falar disso? Os alunos sabiam que eu cantava e me pediam, ‘Professora, vamos cantar?’. E eu procurava uma música que se encaixasse no tema das aulas. Todos cantavam, e era incrível. Eu dizia que estávamos num grande teatro. Os alunos me amam até hoje”, conta.

Após se aposentar como professora, Dona Onete ainda foi secretária de Cultura, e só depois disso começou a investir em sua parcela artística. Suas primeiras aparições foram ao lado do Coletivo Rádio Cipó. Anos depois, ela apareceu cantando carimbó no longa-metragem “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” (2011), estrelado por Camila Pitanga. A essa altura, sua carreira começa a deslanchar.

“Fui sentindo que era hora de me profissionalizar. Participei de grandes festivais, como o Rec-Beat (PE). Gravei com o Coletivo duas músicas, até surgir o meu ‘Feitiço caboclo’, e agora ‘Banzeiro’. E já estamos pensando no terceiro álbum”, antecipa a artista, que tem no repertório mais de 350 composições autorais.

Onda amazônica

Dona Onete desponta no cenário musical ao lado de outros nomes paraenses como Gaby Amarantos, Jaloo e Felipe Cordeiro. Para ela, porém, não é só o Pará que está na moda. “É a cultura amazônica como um todo”, declara a artista. “Não pense que esse sucesso é só meu, é nosso. Pode dizer que esse sucesso é nosso. Essa luta é nossa”.

A musicalidade regional é uma bandeira que Dona Onete defende com paixão: “Vamos colocar nossas coisas na música, vamos bater nessa tecla. Os empresários também deveriam dar mais força para a música do Norte. Dona Onete está abrindo espaço para tudo. Mexo com coisas nossas, vou começar a mexer com boi-bumbá e estou trazendo também a música do Macapá, com aquele ritmo negro que eles têm lá. Estou levantando uma bandeira. Será que vocês me ajudam?”.

Música amazônica, não só do Pará, é que está na moda, defende a artista: “Não pense que esse sucesso é só meu, é nosso”, diz. “Essa luta é nossa”

FRASE

“Manaus precisa buscar aquelas raízes da música que já tanto brilhou lá fora. A sonoridade do ‘Tic tic tac’: é um ritmo gostoso e o pessoal adora. O pessoal aqui em Belém dança muito boi. O que está faltando? Músicas. Sair de Parintins e ganhar o mundo. E agora há uma onda de ritmos da Amazônia. Devemos nos unir para que esse Norte consiga varar na selva de pedra. Somos Norte, e tudo de bom a gente tem.”

Dona Onete

Cantora e compositora

TRECHO

“A garça namoradeira/ Namora o malandro urubu

Eles passam a tarde inteira/ Causando o maior rebu

Na doca do Ver-o-Peso/ No meio do pitiú

No meio do pitiú, no meio do pitiú...

Eu fui cantar carimbó/ Lá no Ver-o-Peso

Urubu sobrevoando/ Eu logo pude prever

Parece que vai chover/ Parece que vai chover

Depois que a chuva passar

Vou cantar carimbó pra você”

Da faixa “No meio do pitiú”

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