Decisão

Juíza manda mineradora devolver terra comprada de indígena em Autazes

Decisão também ordena que placas da empresa espalhadas pelo território devem ser retiradas

Waldick Júnior
online@acritica.com
13/05/2022 às 17:54.
Atualizado em 13/05/2022 às 17:59

(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara da Justiça Federal do Amazonas, determinou que a empresa Potássio do Brasil devolva a terra comprada de um indígena Mura de 83 anos na aldeia Soares, em Autazes (AM). A decisão ocorreu após pedido do Ministério Público Federal (MPF), que acusa a mineradora de ter pressionado para que a população local vendesse as terras na região onde há uma jazida de potássio. 

“Não pode o ancião da aldeia indígena - pessoa encarregada pela ancestralidade de realizar o papel de sábio e curandeiro - ser retirado de sua territorialidade mediante aquisição de posse por terceiros estranhos ao povo indígena. Foi um equívoco grave que merece ser imediatamente corrigido”, escreveu a magistrada. 

Durante inspeção judicial realizada no último dia 29 de março, a juíza, o MPF, a Potássio do Brasil, e outros órgãos relacionados ao caso visitaram a aldeia Soares. Na ocasião, encontraram o indígena Mura Jair dos Santos, que afirmou ter sido pressionado a vender o terreno onde morava por R$ 110 mil há cerca de cinco anos. A nova decisão da juíza diz respeito a esse caso.

“Deslocar o ancião da aldeia para fora de seu ethos, de seu local de topofilia (elo afetivo entre as pessoas e a localidade, típico das comunidades tradicionais e povos indígenas), onde possui profunda interação com a natureza, é o mesmo que acabar com toda a comunidade a que pertence”, pontuou ainda Jaiza Fraxe.

Além de devolver a terra ao indígena, a magistrada deixou claro que a empresa Potássio do Brasil não pode mais manter placas de “área de uso” na aldeia Soares, como a inspeção judicial avistou durante visita ao local. Segundo o MPF, essas placas são indícios que a empresa adquiriu vários lotes naquele território.

Ao final da decisão, a juíza determinou que a empresa seja intimada com urgência para o cumprimento das ordens, além de garantir prazo de cinco dias para manifestação de defesa. Em nota para esta reportagem, a empresa comentou a decisão judicial.  

“A Potássio do Brasil informa que tomou conhecimento, com surpresa e preocupação, da decisão da Justiça Federal ordenando a devolução de uma propriedade ao vendedor, antigo titular, que não se encontra dentro de Terra Indígena e que foi adquirida de boa-fé e dentro dos parâmetros da lei e do mercado imobiliário do município de Autazes”, diz a mineradora.

A empresa, que já confirmou ter adquirido alguns lotes na região, disse ainda que a decisão fere “a segurança jurídica e o direito ao contraditório e a ampla defesa da Potássio do Brasil, pois foi infundada e sem oportunizar à Potássio do Brasil qualquer defesa de suas razões”. Lei a nota completa ao final.

Pedido

No dia 18 de abril, logo após a inspeção judicial, o procurador da República Fernando Merloto Soave requereu à juíza não apenas que as terras dos indígenas fossem devolvidas, mas também que fosse determinada a anulação de todos os contratos formais ou não entre a Potássio do Brasil e os moradores locais. 

Além disso, o MPF-AM solicitou “a determinação de que a empresa não impeça ou realize qualquer ato contrário ao uso tradicional dos territórios objetos dos acordos irregularmente firmados, possibilitando aos ribeirinhos e indígenas retomar de imediato seus roçados e plantios de subsistência”. 

Coação e compra

Segundo o indígena Jair dos Santos, primeiro apareceram três homens (Tom, Francisco e Wenderson), em dias diferentes, e todos lhe pediram para assinar um documento, afirmando estarem realizando uma pesquisa para a Potássio. Por último, apareceu um homem chamado Danilo que disse ser da mesma empresa e lhe perguntou quanto ele queria pelo terreno. Jair sugeriu R$ 200 mil, mas Danilo negociou por R$ 110 mil e conseguiu realizar a compra.

Ao ser entrevistado pelo MPF, o indígena afirmou mais de uma vez que não queria realizar a venda, mas que ficou com medo de perder o terreno para a empresa. Contou ainda que após a venda a vida ficou mais difícil e que gostaria de recuperar o local onde fazia seu roçado. “Plantava macaxeira, batata, cará; plantava banana. Na época, nunca faltou pra nós banana aqui e nem roça também. Hoje em dia, se eu quiser, eu compro. A situação ficou difícil para mim”, relatou ele.

Juíza na mira

Como noticiou A CRÍTICA, a Advocacia-Geral da União (AGU), ligada ao governo federal, entrou no processo ao lado da Potássio do Brasil no último dia 5 de maio e protocolou um recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para retirar a ação das mãos da juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe. 

Os advogados da União pedem que seja declarada a incompetência da 1ª Vara para julgar o caso. O argumento é que a competência para julgar ações que envolvem direito ambiental é da 7ª Vara, conforme uma portaria interna do Tribunal. 

Nota completa da Potássio do Brasil:

A Potássio do Brasil Ltda. informa que tomou conhecimento, com surpresa e preocupação, da decisão da Justiça Federal ordenando a devolução de uma propriedade ao vendedor, antigo titular, que não se encontra dentro de Terra Indígena e que foi adquirida de boa-fé e dentro dos parâmetros da lei e do mercado imobiliário do município de Autazes. Ainda, a decisão feriu o devido processo legal, a segurança jurídica e o direito ao contraditório e a ampla defesa da Potássio do Brasil, pois foi infundada e sem oportunizar à Potássio do Brasil qualquer defesa de suas razões.
 
Todas as aquisições de propriedades feitas pela Potássio do Brasil foram embasadas por laudos técnicos de avaliação, elaborados por empresas independentes especializadas no ramo imobiliário, e realizadas em terra não indígena. A Potássio do Brasil atendendo aos critérios da lei consultou a própria Funai que concedeu o Termo de Referência em relação ao Estudo de Componente Indígena, considerando as terras indígenas existentes de Jauary e Paracuhuba.
 
Vale destacar que o Povo Mura, que tem suas terras a cerca de 8 km de distância das futuras instalações industriais do Projeto Potássio Autazes, foi ouvido durante a elaboração do Estudo de Componente Indígena e está em procedimento de Consulta nos termos previstos pela OIT 169, já tendo realizado o PRIMEIRO PASSO com a apresentação do Projeto Potássio Autazes ao Povo Mura (através de uma Cartilha, um Relatório Técnico e um vídeo explicativo) e o SEGUNDO PASSO com a realização da Assembleia de Urucurituba reunindo representantes de todas as 44 aldeias, em obediência e respeito ao Protocolo “Trincheiras: Yandé Peara Mura - Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas”. Atualmente, de acordo com o cronograma apresentado na Justiça Federal, estão realizando os TERCEIRO e QUARTO PASSOS.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2024Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por