O Ministério de Minas e Energia encerra nos próximos dias a análise da caducidade do contrato de concessão da Amazonas Energia e o diretor de relações institucionais expõe o que contribuiu para a recomendação da Aneel.
(Foto: Jeiza Russo)
Na véspera da apreciação do contrato de concessão da Amazonas Energia pelo Ministério de Minas e Energia (MME), o diretor de interior e Relações Institucionais da concessionária, Radyr Gomes Oliveira, diz que somente o dinheiro não vai resolver o problema. A dívida da empresa é estimada em R$ 9,4 bilhões.
Em conversa com A CRÍTICA, ele conta que fatores como a perda não-técnica (gatos de energia) e a inadimplência, em especial dos entes públicos, que se agravou na pandemia, são os principais desafios para os investidores . A realidade amazônica, segundo ele, precisa, também, ser levada em consideração, inclusive na legislação do sistema elétrico brasileiro. A seguir, trechos da entrevista:
Como a empresa tem acompanhado essa avaliação do MME sobre a caducidade do contrato?
Nós continuamos trabalhando da mesma forma. Os serviços estão sendo prestados da mesma maneira que a gente vinha fazendo. Estamos trabalhando diariamente com todas as equipes. Se você observar no próprio site da Aneel, os indicadores de continuidade, qualidade e tempo de atendimento, nós estamos entre as melhores empresas do Brasil.
Claro que nós temos uma questão da perda, a perda comercial, que aqui é muito forte, e esse é um indicador que a gente não conseguiu, realmente, combater em Manaus. Basicamente, gente tem uma perda muito grande. A questão financeira é uma dívida que vem se arrastando e que a gente também vem sofrendo com relação a isso. Sobre o que vai acontecer, a Aneel recomendou a caducidade e o poder concedente é quem decide. Vamos aguardar a decisão que o governo vai tomar através do poder concedente, para ver qual vai ser a solução que tem que ser dada para essa concessão que é extremamente complexa.
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O que justifica o tamanho dessa dívida?
No meu entendimento, a dívida não evoluiu. Ela evoluiu pelo próprio serviço da dívida: os juros. Não houve nenhum endividamento de coisas novas da Amazonas Energia.
A Oliveira Energia optou por realizar a transferência para a Green Energy. O que motivou essa decisão?
Eu acho até pela incompreensão que existe dentro do órgão regulador. Eu acho que por desconhecer esse estado e essa concessão tão complexa, acaba que eles fazem algumas ponderações que não são a mais real. Talvez tudo isso, por ser amazonense, acabou pensando em fazer essa transferência.
Então, falta compreensão da Aneel em relação à realidade amazônica?
O Brasil precisa conhecer um pouco mais essa região. Imagina que eu tenho um milhão de clientes, mas quando eu pego pelo tamanho do estado isso dá 2,2 consumidor por quilômetro. Eu tenho 37 a 40 mil quilômetros de rede de distribuição na floresta. Desses, 17 mil são nas áreas ribeirinhas que eu só acesso de barco, canoa ou voadeira. [...]Isso aqui (Radyr aponta para um calendário com um uma imagem aérea de um rio repleto de casas flutuantes) fica no município de Tapauá. Isso é um bairro flutuante, onde 723 família moram.
Aqui tem posto de gasolina, tem pequenas marcenarias, tem igreja, tem de tudo, inclusive estão querendo uma escola. Esse aqui é o rio Ipixuna, afluente do Purus, e a gente fez uma rede aqui desse lado [aponta para o lado esquerdo do leito do rio] para atender essas famílias que vivem aqui. A gente atendeu todinho, todos com poste de 15 metros.
Essa aqui é a diferença, é o que tem de diferente de quaisquer outras regiões. Se tu pegares a resolução 1000 da Aneel, ele diz que eu não posso atender móvel, só imóvel. Flutuante se movimenta e esse povo decidiu morar aqui na frente da cidade e não sai daí.
Uma das bandeira do governo Lula durante as eleições foi a questão da diversidade regional, em especial a Amazônia. Na sua avaliação essa maior afinidade pode favorecer uma mudança de legislação do sistema?
Talvez esse grupo de trabalho, que está estudando essa concessão, chegue à conclusão que precisa entender melhor essa região. Talvez pela dificuldade que a gente tem passado e o que eles também têm acompanhado. Talvez agora, alguém vai chegar à conclusão que precisa olhar de uma forma diferente para essa região e que a gente seja mais ouvido. A gente não precisa comer o que cai da mesa, a gente tem que estar na mesa para discutir com todos. Imagina que nos anos 2000 a Ceam foi federalizada, eram duas concessionárias e veio aqui para o lado da Manaus Energia e ficaram por oito anos dois CNPJ sobre a mesma direção.
Em 2008, houve a fusão das duas empresas, a Manaus Energia incorporou o Ceam e virou a Amazonas Distribuidora sem nenhum estudo do que tudo isso ia trazer para a concessão. Deveria ter feito uma um estudo mais detalhado, com muito mais critério, de qual seria o impacto de trazer a Ceam que operava no interior do estado para dentro de uma empresa que atuava dentro do município de Manaus. Houve esse pecado de não ter estudado melhor tudo isso. Não fui contra a incorporação das duas empresas, mas acho que deveria ter sido feito de forma diferente.
Na recomendação da Aneel foi determinada a fiscalização técnica das atividades da Amazonas Energia, mas como está sendo realizado o serviço atualmente?
Nós não paramos de trabalhar. A empresa segue. A gente continua fazendo todo o nosso trabalho de geração, distribuição e comercialização de energia. O serviço não para. O que está acontecendo em Brasília não compete a nós aqui.
A empresa fez diversas tentativas de implantar os medidores aéreos na cidade de Manaus, alegando que isso colaboraria na redução das perdas não-técnicas, a não implantação desse serviço colaborou para a empresa chegar ao problema atual?
Quando você tem uma perda do tamanho que é a do estado do Amazonas, que é campeão de perda, onde perde 43% de tudo que você compra para entregar, é uma perda considerável. Nós não conseguimos implantar o Sistema de Medição Centralizada (SMC) por várias questões judiciais, leis invasoras, enfim, o processo está parado. Chegou a um ponto que a Amazonas Energia tem dificuldade, inclusive de fazer manutenção na rede de distribuição que a população não deixa. Ficou muito complicado tudo isso e uma hora isso vai ter que ser resolvido. Se for com esse investidor ou com outro ou seja lá, quem for vai ter que resolver essa questão.
A perda não-técnica do sistema pode ser um gargalo para o próximo investidor?
Eu acho que o governo deve estar estudando. O próprio ministério, com esse grupo de trabalho, onde são pessoas altamente qualificadas, deve estar estudando outra forma para dar mais condição para o próximo investidor. As tratativas são diferenciadas para essa concessão.
O estado do Amazonas é bem diferente de qualquer região. Imagina que nós tivemos estiagem do ano passado que a gente tinha reuniões com todos os outros órgãos do governo e a única coisa que perguntavam para a gente era: vai ter energia em São Gabriel da Cachoeira? A seca foi ruim para todo mundo, mas a Amazonas Energia tinha que manter o fornecimento. A pandemia atingiu todos os setores do Brasil e do mundo, mas nós tivemos que continuar trabalhando para manter o fornecimento. Isso influenciou muito, porque as pessoas perderam emprego, pessoas morreram e eram provedores da casa.
Encontramos muita gente altamente endividada. Isso tudo contribuiu para que a gente chegasse até aqui. Não dá para dizer que vai chegar aqui um cara com um caminhão de dinheiro e vai resolver. Não vai resolver. Só o dinheiro não resolve.
Outro fator que a empresa cita junto a Aneel é a inadimplência. Qual a proporção desse problema?
Em Manaus temos R$2.836.140.488 em dívidas dos inadimplentes. No interior tem um R$890.990.295, o interior contribui com 31% da inadimplência. Você vê que o problema está aqui em Manaus.
Qual grupo mais contribui com essa dívida?
O poder público. Isso são valores da fatura, com a correção isso chega a R$ 700 milhões. Tem coisas aqui que eu não consigo cobrar com liminar. Eu não posso cortar a energia de prefeituras que estão há oito anos sem pagar a conta. Tem uma série de problemas aqui que precisam ser resolvidos.