Por Liege Albuquerque; a autora é mestre em ciências políticas pela USP e jornalista com diploma da UFAM.
Na verdade pensei como tema de meu artigo da semana a falta de conteúdo nos debates políticos, disfarçada de intolerância arrogante, ódio gratuito apenas pelo que é diferente e preconceito puro e simplesmente. Um amigo no Facebook fez um post criticando o fato de Marcelo Freixo ter se sentado para dialogar com Janaína Paschoal. Disse que com essa gente não se conversa, rebati se era então para começarmos uma guerra civil. Fiquei no vácuo. Uma pessoa no Facebook disse que o RenovaBR tinha financiado campanhas e tinha “ramificações do mal liberal na América Latina”, tentei rebater com links, fui acusada de desinformada e bloqueada.
Em outro post da geni Tabata Amaral ela dava a boa notícia de que teria conseguido a garantia que o MEC não vai medir a alfabetização no país por amostragem, e sim continuar de forma censitária. Ora, é notório que o governo federal (vide Inpe) quer esconder e maquiar os problemas do país em vez de enfrentá-los, então o fato, se consumado, é um avanço. Mas os haters elogiavam ou criticavam a notícia nos comentários? Não, xingavam Tabata por seu voto à reforma da previdência, que até já foi aprovada, porque hater que é bom é mesmo um amargo ser sem noção de nada.
Então este é mesmo o tema e o tom, mas um pouco além, e com mais entrelinhas, porque gosto de instigar ao bom debate. Quero convidar à reflexão sobre a necessidade de respeito a todas as causas que possam parecer justas a uma pessoa ou a um grupo delas. Para ter mais tolerância, a empatia é fundamental, se colocar no lugar do outro e tentar entender quais suas razões de entrar em defesa desta ou aquela causa. Da importância à civilidade de respeitar a escolha individual, que pode não ser a sua, mas assuma, aceite, nem que seja no divã: nem você e nem eu somos o centro do universo.
Eu sempre busquei desenvolver posicionamento de tolerância e conciliação no debate. Em alguns casos é possível, em outros, quando não há argumentos e sim extremismos, deboche e preconceitos, prefiro pedir licença e me retirar. Agora há pouco fui comentar (sou dessas de comentar e curtir, não sou voyeur de rede social) num matéria sobre aquele rapaz do Acre que tinha sumido, na fan da BBC, e um hater veio com “só soube que o Acre existia depois dessa história”, questionei se ele não tinha vergonha de explicitar sua ignorância geopolítica disfarçada de preconceito. A resposta do intelectual foi “kkkkk olha a nortista com raiva de está (sic) fora do mapa”. Depois dessa, saí....
Nessa minha postura de sempre tentar ouvir o divergente, nos últimos cinco anos em que tenho ajudado de forma discreta, sem me ligar a nenhum partido ou ong, pessoas que militam de corpo e alma na causa animal, percebi que, na causa, para mim uma das mais justas e necessárias, há muitas pessoas que, no campo econômico e político, são na maioria gente da direita, que votou no inominável.
Não tenho justificativa sociológica ou antropológica para isso, é uma constatação de campo, pelo menos aqui em Manaus. Só penso que deve cansar e se envergonhar de ser da raça humana ver diariamente tanta maldade com seres totalmente inofensivos. Disso tenho certeza, eu mesma não tenho a força espiritual que esses meus amigos têm para militar a fundo nessa causa. E também tenho certeza que a esquerda, me repito (insisto nisso desde artigos anteriores), não é santa. E nem a direita, óbvio. E é exatamente sobre essa igualdade da humanidade, com erros e acerto, que estou falando aqui.
Só destaco que, no meu caso, minha disposição a relevar e ponderar, a ter mais empatia, aumentou com essa constatação. Não dá para demonizar uma pessoa que votou em Bolsonaro e passa noites em claro atrás de um gato feral com sarna que carcome a orelha e o olho até resgatá—lo e fazer cotas para tratá-lo e depois vermifugar e castrar o bichinho para encarar as exaustivas e estressantes feiras de doação de animais. Feiras onde aquele protetor que tanto se esforçou para o salvamento do animalzinho vai confiá-lo a uma pessoa que pode devolvê-lo às ruas porque ele fez xixi num canto do sofá ou puxou roupas do varal. Ei, essa pessoa pode ter votado no Haddad ou no Bolsonaro. Buga o cérebro pensar de uma forma não maniqueísta? Mas um dos melhores exercícios de humanização e tolerância é a tal de empatia.
Considero, com toda maturidade e certeza que toda luta por alguém que não pode se defender é justa e quem critica a luta de outro sempre, sempre, é quem não levanta a bunda da frente do computador exceto se for para buscar algo para limpar o próprio umbigo ou encher o próprio bucho. Quem milita de verdade e por amor na causa das mulheres, das crianças, dos idosos, dos desempregados, nunca irá diminuir qualquer outra causa, muito menos a causa animal, de absolutamente todas as causas, a única que os próprios interessados seres não têm voz para militar junto nem quando completam 14 anos e podem gritar pelo clima como Greta Thunberg. Aos animais cabe apenas nos serem fiéis e amorosos a vida toda, com o olhar de amor incondicional que só um animalzinho dá a seu dono, tipo aquele único que uma mãe destina a seu filho.
Esta semana, o senado aprovou o Projeto de Lei 27, de 2018. Ainda há muita tramitação pela frente, mas o avanço no final, fé que haverá, é que os animais passarão a ter uma natureza jurídica que permita criminalizar humanos doentes por maus tratos, já que não mais serão considerados coisas, mas seres passíveis de sentir dor ou sofrimento emocional. Será um avanço civilizacional enorme e também cristão, porque até onde sei não há na Bíblia ordem para abandonar animais à própria sorte ou maltratá-los.
Também esta semana onde divago sobre divergências e outros bichos, encontrei mais sincronicidade com o tema do artigo nas primeiras aulas do RenovaBR, que não financia campanhas e sim é uma escola de formação política, uma escola sem partido, no bom sentido (que não doutrina, sequer exige dos alunos que sejam filiados, eu não sou). O curso vai até dezembro e já na primeira semana o conteúdo é tão rico e diversificado que deixa a CDF (ou nerd) assumida aqui animada como numa festa com música dos anos 80. As aulas de definição de perfil de campanha do Gabriel Azevedo são puro mídia trainnig, cobrado bem caro no mercado, bem mais que meus R$ 200 de investimento. Somos 1,4 mil alunos, passamos numa seleção com 31 mil pessoas. Meu grupo no whats, com monitores do Renova, tem umas 35 pessoas de todo o país, de 25 a 50 anos, todos com nível superior ou pós, advogados na maioria, há membros de governos e prefeituras, um procurador federal, promotores, professores de várias áreas e eu e outro jornalista.
Mas quero fechar é falando do tema de uma das aulas do economista Marcos Lisboa (um dos que deu o tom neoliberal no governo Lula quando trabalhou no ministério da Fazenda e que hoje é diretor do Insper, onde Haddad também dá aulas) que dita sobre a importância de despir-se de preconceitos para ouvir ideias. Preconceitos de todo o gênero que você possa ter, cita alguns exemplos na história recente. Óbvio que esse sentar para conversar, friso, não dá para ser com todo mundo pois: “como debater com alguém que acha que a Venezuela é uma democracia ou que defenda fechar museu porque lá dentro tem peladão”, como ele mesmo disse numa entrevista à revista Piauí, quando foi sondado a trabalhar no governo Bolsonaro e descartou rapidinho.
Essa posição progressista, tolerante e aberta ao diálogo é o futuro da boa política em países verdadeiramente democráticos. Será assim, tenho certeza, com líderes políticos com maturidade para sentar com todos, que se fará a renovação na política. Pois não se faz boa política com ódio e intolerância, seja por qual for a diferença que você tenha com o interlocutor. Quando a pessoa consegue argumentar, e não enfileirar kkkk ou palavrões, sobre o que quer defender, é claro que ela merece ser ouvida. Vai que você e não ela muda de ideia? Entrar numa discussão com esse espírito de humildade, de que a ideia do colega e não a sua ideia pode não ser a melhor naquele caso, será sempre salutar numa democracia.
P.S. Dificilmente um hater de rede social chega até o final de um texto, já julga pelo título. Ou porque tem problemas de entender, de interpretar textos mais longos que duas linhas, ou porque o pacote de dados do celular não permite o luxo da leitura. Mas quem chegou, espero que entenda a diferença de um texto informativo e um opinativo. Este é um artigo, minha opinião, não é uma reportagem que, sim, deve buscar o máximo de imparcialidade ao dedilhar fatos. É minha opinião, não a do portal, que só me fornece o espaço privilegiado para estimular o bom debate com minhas dúvidas e convicções que vou adquirindo ao longo de minha incessante busca pelo conhecimento.