Doutor em Ciência Política, João Paulo Saraiva Leão Viana, afirma que, na maioria dos estados da Amazônia, políticos de extrema-direita estão ligados ao agronegócio com total desapego às questões ambientais
Cientista político, João Paulo Saraiva Leão Viana avalia que nenhum governo, desde os militares, fez tanto mal à Amazônia como o Bolsonaro (Foto: Phil Limma/Free lancer)
Em entrevista para A CRÍTICA, o professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e doutor em Ciência política (Unicamp), João Paulo Saraiva Leão Viana, afirmou que nenhum governo fez tão mal à Amazônia quanto a atual gestão federal. Ele é o autor da pesquisa “Da eleição de 2018 ao comando do governo: algumas considerações sobre a extrema direita na Amazônia Ocidental do Brasil”, focado principalmente em Rondônia, considerado por ele um grande centro do extremismo de direta na Amazônia.
Leão Viana apresentou sua pesquisa em uma mostra de teses na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) na semana passada. Na ocasião, defendeu a ideia de que a extrema direita na Amazônia está ligada ao avanço do agronegócio por uma identificação econômica. Além disso, que os políticos dessa ideologia carregam uma visão “arcaica” de desenvolvimento, sem levar em consideração a preservação ambiental.
Ele liga ainda a influência da extrema direita na região amazônica ao presidente Jair Bolsonaro (PL), quem o pesquisador considera uma força que une políticos de ideias semelhantes no que chama de “bolsonarismo”. Nas eleições de 2018, dos nove estados da Amazônia Legal, seis deram a vitória ao atual Presidente. No Amazonas, o percentual foi de 50,28% de votos para Bolsonaro, puxado principalmente pela capital, Manaus (65,72%). Abaixo, a entrevista completa.
Peço que comece com uma introdução sobre a sua pesquisa.
Sou professor da Universidade Federal de Rondônia, doutor em Ciência Política pela Unicamp e estive como pesquisador visitante da Universidade de Pittsburgh [Estados Unidos], onde iniciei essa pesquisa sobre o processo de chegada ao poder da extrema direita na eleição de 2018 no estado de Rondônia. Importante frisar também, sou pesquisador do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal). Somos um laboratório com cerca de 40 pesquisadores de 11 universidades da Amazônia Legal e essa pesquisa que desenvolvo agora faz parte também do grupo.
Como o senhor caracteriza um político de extrema-direita?
A gente pode classificar um político de extrema direita, hoje, no Brasil, tanto do ponto de vista da questão dos costumes e dos valores, muitas vezes identificado com o conservadorismo e muito ligado à questão da religião também e completamente alheio a temas e questões na pauta das minorias, por exemplo, como a defesa de comunidades tradicionais, de políticas de ações afirmativas, a defesa de união civil homoafetiva ou o aborto, ou a favor do porte de armas. Do ponto de vista econômico, se identifica com um liberalismo de estado mínimo, muitas vezes contra políticas sociais ou contra a intervenção do estado na economia.
E como é esse político de extrema-direita nos estados da Amazônia?
É uma caracterização que se leva por uma visão antiga de desenvolvimento que na imensa maioria dos estados amazônicos está intimamente ligada ao agronegócio. Então, é a expansão do agronegócio, da fronteira agrícola na região amazônica. É um total desapego a políticas ambientais, uma visão retrógrada e arcaica em desenvolvimento que existia há 40, 50 anos e não se aplica mais hoje. É uma ideia de que a floresta não importa, que as matas são uma barreira ao progresso, que o primeiro lugar é a produção e o desenvolvimento econômico. Isso se choca com questões relativas ao meio ambiente, clima, a defesa de comunidades originárias, territórios indígenas, ribeirinhos, quilombolas. Nesse contexto todo, como eu disse, o agronegócio tem sido um ator de grande relevância para a extrema-direita na Amazônia Legal.
Seu estudo é mais focado em Rondônia, mas que semelhanças da extrema-direita nesse estado também podem ser observadas em outras unidades federativas da Amazônia Legal?
Quando falamos em Amazônia, é importante frisar que existem várias. Ou seja, a realidade da Amazônia rondoniense é diferente do cenário amazônico no Maranhão ou até mesmo no Acre, que é nosso vizinho. No Acre, houve um processo inverso. Durante muitos anos ele preservou a floresta e na última eleição o Acre, ao lado de Rondônia e Roraima, deu a Bolsonaro o segundo maior eleitorado nacional, apenas atrás do Estado de Santa Catarina. Todos esses três estados estavam ali pertinho um do outro na eleição. O que percebemos é que nesses três estados há uma força muito grande do agronegócio, uma ameaça muito forte à questão ambiental. Rondônia é um Estado conservador e denomino isso como combinação explosiva do conservadorismo rondoniense, que é aquela questão da área de fronteira [agrícola] e também da própria formação constitutiva do estado através de ditaduras. A primeira em 1943, na era Vargas, e a segunda em 1982, no final da Ditadura Militar, com a criação de Rondônia. Além disso, o Estado tem o segundo maior eleitorado evangélico do país. Aí você pega o Pará, por exemplo, onde já há uma política [mais consolidada], um reflexo maior do quadro nacional, onde há uma esquerda mais competitiva, onde o bolsonarismo é forte, mas não tanto quanto nesses outros estados. De forma geral, olhando para todos os estados, o que vemos é que nenhum governo desde os militares fez tanto mal à Amazônia como o Bolsonaro.
Nas eleições presidenciais de 2018 quem venceu no Pará foi o Fernando Haddad, então candidato do PT. Além disso, a capital Belém tem um prefeito do PSol, o Edimilson Rodrigues. O que torna a esquerda mais forte por lá?
É importante frisar que Rondônia, Tocantins e Roraima são estados muito novos. No Pará você já tem uma estrutura de governo, uma tradição de governos, uma esquerda que teve momentos de forte influência na política paraense. A Ana Julia, por exemplo, foi governadora, era filiada ao PT. Temos, então, uma trajetória de uma esquerda no Pará que difere de outros estados. O Pará está com o Amazonas como um dos estados mais consolidados da região Norte. Principalmente no caso do Pará, há uma tendência de uma influência maior de um quadro nacional, ou seja, de uma competição maior em relação a blocos ideológicos, esquerda e direita. O que você não vê nesses outros estados mais jovens, que se constituíram mais recentemente.
No Amazonas, estamos no meio de uma crise gerada pela redução do IPI via decreto federal, o que prejudica a Zona Franca de Manaus. Nessa guerra vemos muitos políticos ligados ao bolsonarismo que negam a existência de um prejuízo às empresas do Polo Industrial por conta da medida. Esse negacionismo é também uma característica de extrema-direita?
O negacionismo certamente é uma característica da extrema-direita. Eu não acompanhei o processo [da redução do IPI] diretamente porque estava em viagem aos Estados Unidos [para essa pesquisa]. Mas o que vemos também é que você já pode definir ou diferenciar quem são os políticos de direita e de centro-direita [dos extremistas]. São aqueles que mesmo assim se colocam a favor da Zona Franca, diferente daqueles que são de fato o núcleo duro do bolsonarismo no Amazonas. É aquele político que nesse momento [de crise] continua ao lado de Jair Bolsonaro, inclusive, indo ao encontro dele e contra os interesses do Estado. Por outro lado, você tem políticos conservadores que apoiaram o Bolsonaro em 2018 e agora se colocam em oposição a ele em relação a esse tema.
O prefeito de Manaus, David Almeida, é um exemplo. Ele se considera conservador, mas tem feito críticas à gestão federal no caso do IPI.
Exato, você me confirma essa premissa. Tem políticos conservadores de direita ou centro-direita, mas que não são do núcleo duro do bolsonarismo, então eles têm uma certa independência, inclusive um rompimento com o Bolsonaro. Posso até dizer que talvez, hoje, Bolsonaro não seja o mais votado no Amazonas. Não há uma certeza em relação a isso, mas principalmente se levando em consideração essa questão da Zona Franca, é provável. Pode até ser que ele seja o mais votado, mas é inegável que afetou diretamente o povo do Amazonas, de Manaus.
E como o senhor analisa o discurso da extrema-direita? Como são formadas as narrativas?
Tem um discurso muito forte de bancadas específicas [do Congresso], como a evangélica, do agronegócio, da bala. É um conservadorismo extremamente religioso, evangélico, neopentecostal, que cresce muito no Brasil nos últimos anos. Além de forte apoio entre militares e profissionais da segurança pública. Você tem discursos contra o funcionamento das instituições e isso a gente vê principalmente no caso do Daniel Silveira, exemplo emblemático de defesa do AI-5, de negação das instituições, da democracia, de tentativa de desestabilizar as instituições democráticas. Isso também pode ser visto na questão da urna eletrônica, de tentar colocar o próprio cidadão ou parcela significativa da sociedade contra as instituições. Além dessa questão, também na pandemia ficou nítido o papel negacionista e antivacina. Uma visão completamente arcaica da ciência, anti-ciência, contra medidas de distanciamento social e do uso de máscara. Tudo isso é característica dos discursos da extrema-direita.
O senhor sempre cita muito o agronegócio e, claro, faz parte da sua pesquisa. Mas o que liga exatamente o agronegócio à extrema-direita? Para o senhor, eles são a mesma coisa ou estamos falando de apenas um ponto em comum entre ambos?
A ligação por parte da bancada do agronegócio no Congresso Nacional é essa identificação econômica com a extrema-direita. É óbvio que o agronegócio é importantíssimo para o país, é fundamental. O Brasil é um grande produtor de commodities, é isso que move a nossa economia. Não discutimos isso. O que está em pauta é o papel do agronegócio em relação à Amazônia, que é a questão da minha pesquisa. E o que assistimos hoje é um agronegócio que não se importa com a floresta. O que vemos hoje é um modelo de desenvolvimento contrário à floresta, ao meio ambiente, que vai de encontro aos interesses ecológicos, à preservação ambiental, à defesa de comunidades tradicionais. Agora grande parte do agronegócio, hoje, apoia diretamente o bolsonarismo. Eu não poderia aqui afirmar com melhor clareza se esse apoio não é só econômico, mas também ideológico. Creio que sejam os dois, é a minha hipótese. O governo atual tem sido essencial para a política do agronegócio na Amazônia, em especial, no que diz respeito às terras indígenas, a áreas de preservação ambiental, e à expansão da fronteira agrícola. Apesar disso, vale lembrar também que em governos anteriores o agronegócio teve um papel fundamental, inclusive nos governos do PT e do Fernando Henrique Cardoso.
Seu estudo é voltado para a extrema-direita, mas para deixar um contraponto no final, de que maneira o senhor caracteriza a esquerda na Amazônia? Como se articula esse grupo nos estados, ressalvadas as diferenças regionais?
Vou citar o caso rondoniense, porque posso falar com propriedade. A esquerda em Rondônia está completamente esfacelada. O que sobrou da esquerda em Rondônia está completamente esfacelado. É um sentimento antipetista muito forte em Rondônia e isso, em larga medida, pode ser consequência não apenas do quadro nacional, ainda do desastre que foi o segundo governo Dilma do ponto de vista econômico, mas também passamos em Porto Velho por uma experiência desastrosa do PT no poder. O partido governou Porto Velho durante dois mandatos e no segundo o prefeito não concluiu. Ele saiu por uma medida judicial, na época, por várias denúncias de corrupção contra o governo. Então, o que sobrou da esquerda que está tentando se reconstruir é através da eleição do Lula, do que hoje ele representa na corrida eleitoral brasileira. Por isso que as possibilidades de dois candidatos bolsonaristas no segundo turno para o governo do estado são enormes. Se o sentimento antipetista é grande no Brasil, em Rondônia é maior ainda.
Gostaria de destacar algum ponto ao final da entrevista?
Acredito que vale a pena enfatizar esse ponto de caracterização da extrema-direita no Brasil, a questão do agronegócio, dos evangélicos e também da questão da segurança pública e das forças armadas, já que boa parte desse meio apoia o governo Bolsonaro. Esses três setores, assim também como parte do empresariado. No caso da Amazônia, esse apoio está muito mais ligado ao agronegócio, nessas regiões de expansão da fronteira agrícola. É um conservadorismo religioso, extremado, e uma visão literal de mercado que visa o lucro a qualquer custo. Não se preocupa com questões ambientais, territórios indígenas e áreas de preservação, tem uma visão arcaica de desenvolvimento. Além disso, o negacionismo, em especial, aquele demonstrado durante a pandemia.