Reconhecimento

Governo reconhece línguas indígenas como patrimônio cultural e imaterial

Mensagem governamental reconhece línguas indígenas faladas no Estado do Amazonas e se tornam línguas cooficiais do Brasil

Robson Adriano
online@acritica.com
16/07/2023 às 10:08.
Atualizado em 16/07/2023 às 10:08

João Paulo Tukano e Marcivana Sateré-Mawé comentam sobre a cooficialização das línguas indígenas, reconhecimento dos povos e efeitos práticos desta medida (Foto: Junio Matos e Jeiza Russo/A CRÍTICA)

Nessa semana a Mensagem Governamental de nº 053 que trata do reconhecimento línguas indígenas faladas no Estado do Amazonas como patrimônio cultural imaterial, e estabelece a cooficialização de línguas indígenas e ainda institui a Política Estadual de Proteção das Línguas Indígenas do Estado do Amazonas foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) no último dia 12 e tornou-se o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 642/2023. 

Com base na mensagem e partir dessa aprovação, as línguas indígenas Apurinã, Baniwa, Desána, Kanamari, Marubo, Matis, Matsés, Mawé, Múra, Nheengatu, Tariána, Tikuna, Tukano, Waiwái, Waimirí e Yanomami tornaram-se cooficiais no Amazonas.

O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e doutor em Antropologia Social, João Paulo Barreto, indígena da etnia Ye'pamahsã (Tukano), aponta que em termos práticos ao cooficializar as línguas significam que o executivo estadual admite que existem mais de 63 povos no território do Amazonas.

“O Estado do Amazonas é o maior estado que detém diversidade de povos indígenas. Cooficializar significa trazer para o Estado a garantia que as línguas também possam ser utilizadas para transmitir conhecimento. Isso também significa ter essas línguas ensinadas nas escolas. Produzir pensamento ou livros na língua própria desses povos. A ciência constrói modelos através de livros e da escrita. E nós, os povos indígenas, somos da oralidade. Construímos por meio da palavra.”, detalhou João Paulo.

Para João Paulo Tukano, a cooficialização das línguas indígenas do Amazonas significa o reconhecimento da existência de mais 60 povos indígenas (Foto: Junio Matos)

No primeiro e segundo parágrafo do sétimo artigo da Mensagem Governamental, agora PLO (642/2023), consta que “sempre que solicitado, serão garantidos intérpretes das línguas indígenas da região nos eventos oficiais da administração pública direta ou indireta”, e ainda “o Poder Executivo deverá promover cursos de formação de intérpretes indígenas bilíngues, em parceria com as demais instituições públicas e sociedade civil”.

Medidas que devem ser tomadas após a sanção da lei e publicação no Diário Oficial do Estado do Amazonas (DOAM).

É pela oralidade que os povos indígenas perpetuam a memória e nas palavras de João Paulo Tukano também fundamentam relações cosmopolíticas.

“Nós somos povos de oralidade, todos os indígenas que habitam esse território tem a palavra como instrumento que constrói a partir da palavra. A palavra para nós é concreta. Quando você reconhece, diz exatamente isso: que os povos indígenas têm conhecimento. A gente vê o mínimo reconhecimento do Estado depois de 170 anos de negação e invisibilidade dos povos indígenas”, frisou.

Para além do reconhecimento e cooficialização, João Paulo Tikuna, analisa que ainda há muito preconceito com os povos indígenas impedem o reconhecimento de fato e de direito.

“De fato é quando o sistema estatal começa a levar a sério as diferenças, como no caso dos nossos pajés. Hoje não participam em nenhum momento de discussão sobre cuidados de saúde em nenhum nível porque eles ainda representam ‘demônios’ ou ‘bruxos’. Esses preconceitos são forjados para desqualificar o nosso conhecimento”, disse.

Falta participação

No âmbito da Política Estadual de Proteção das Línguas Indígenas, está o reconhecimento e a garantia do direito das pessoas e comunidades indígenas ao pleno uso público da própria língua, dentro ou fora das terras indígenas e também a garantia e a valorização da participação social nas discussões entre governo e sociedade civil, relacionadas à formulação e à implementação da política.

A coordenadora-executiva da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), Marcivana Sataré Mawe, admite surpresa do projeto de lei, mas sentiu falta da consulta e participação dos povos originários no processo. 

“Tem duas questões que precisamos analisar: a primeira é o reparo histórico. O PL aprovado ele traz esse reparo de uma dívida com os povos indígenas. Estamos num lugar onde é berço da ancestralidade. E a preocupação que temos é do desaparecimento das línguas maternas. Para além do reconhecimento, é a valorização das línguas e isso combate as discriminações que se tem. Esse é um dos grandes desafios que temos que vencer. Os mais velhos são dominantes, a segunda geração entende e fala algo, mas os mais novos não falam por culpa do processo de discriminação”, pontuou Marcivana.

Marcivana vê com bons olhos a mensagem governamental mas pontua que os povos indígenas deveriam ter sido consultados durante todo o processo de cooficialização (Foto: Jeiza Russo)

O segundo ponto, segundo a coordenadora-executiva, é a falta olhar dos povos originários sobre a composição da lei.

“O que se espera agora é que quando se materializar nas nossas vidas, possa a ver essa contribuição nossa para implementar na prática. Nós temos um grande desafio que essas línguas sejam valorizadas nas escolas. Temos muitas crianças indígenas bilíngues na rede pública, mas são invisibilizadas. Enquanto organização a gente espera que as nossas crianças possam se sentir seguras e à vontade para falar nas próprias línguas maternas nas salas de aula”, declarou. 

Para os povos indígenas a língua materna exerce uma função importante no contexto de organização e fortalecimento territorial.

“É garantir aos nossos filhos e os nossos adolescentes que ele possam falar sem ser discriminados. Infelizmente, a gente tem muitos casos em que eles chamam atenção dos próprios pais para não se comunicarem na língua materna porque o processo de colonização foi tão duro conosco que muitas vezes nos envergonhamos em falar na nossa língua. O Brasil precisa superar essas questões. A língua materna deve ser a primeira e o português a segunda”, pontuou Marcivana. 

Dados

O Amazonas se caracteriza por ser o estado mais indígena do País, uma vez que há, no mínimo, 53 línguas faladas, atualmente, conforme dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), estima-se que mais de 250 línguas sejam faladas no Brasil, entre indígenas, de imigração, de sinais, crioulas e afro-brasileiras, além do português e das suas variedades.

No que tange às línguas indígenas, especificamente, estima-se que aproximadamente 180 delas são atualmente faladas, o que nos coloca entre os dez países mais multilíngues do mundo.

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