A principal hipótese das mortes registradas em Tefé (AM) é a seca dos rios acima dos padrões já registrados e a alta temperatura da água
Mais de cem botos vermelhos e tucuxis apareceram mortos no lago Tefé (AM), desde o dia 23/09. A principal hipótese das mortes é a seca dos rios acima dos padrões já registrados e a alta temperatura da água (Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá)
Em meio à seca severa neste ano no Amazonas, mais de cem botos vermelhos e tucuxis apareceram mortos no lago Tefé e nas proximidades desde o último sábado (23), segundo a organização WWF-Brasil.
A situação, diz a entidade, tende a se agravar já que estamos no início do período seco e a todo momento chegam mais notícias de animais mortos. Além dos botos e peixes que sofrem com a falta de oxigênio e acabam morrendo, a situação afeta diretamente os pescadores e quem sobrevive de toda a dinâmica do rio.
Em Tefé, o Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá corre contra o tempo para resgatar animais (botos e tucuxis) que ainda permanecem em poças rasas e de águas quentes para transferi-los para outros locais que ainda mantêm água fresca e profundidade mínima para manter os animais vivos. Equipes e voluntários com experiência em resgate de fauna estão se unindo à ação emergencial, porém o difícil acesso à cidade de Tefé faz com que a ação seja mais lenta que o desejado.
O tradicional período de estiagem que tem seu ápice em outubro, já está afetando 59 municípios com a redução do nível de água em seus rios, impactando a navegabilidade e consequentemente questões de logística e insegurança para a coleta e consumo de peixes. É esperado que a situação se agrave nos próximos 15 dias com a forte seca e acometa outras regiões do médio Solimões resultando em mais mortes de botos e tucuxis em zonas sem equipes disponíveis para resgate. Isso faz com que o evento tome proporções ainda maiores e mais impactantes em um dos locais de maior densidade e abundância de golfinhos de rio da América do Sul.
Os riscos relacionados com a falta de água tendem a se agravar com as mudanças climáticas, é o que diz o IPCC. O grupo de cientistas mapeou as tendências de mudanças e descobriu que as alterações climáticas causadas pela ação humana contribuíram para a gravidade do impacto das secas em muitas regiões do planeta. Estima-se que os riscos relacionados com a água aumentem com cada grau de aquecimento global.
Segundo o IPCC, entre 1970 e 2019, 7% de todos os desastres em nível mundial estiveram relacionados com secas, contribuindo com 34% das mortes relacionadas com catástrofes. Mas, além das vidas perdidas, pode-se dizer que a água é a principal vítima da mudança do clima. Em apenas três décadas, o Brasil já perdeu o equivalente a 10 cidades de São Paulo em superfície de água. Na última década, os nove países com floresta amazônica em seu território perderam 1 milhão de hectares de superfície de água, o equivalente a seis cidades de São Paulo em área hídrica, segundo o Mapbiomas.
O preço cobrado pela emergência climática é alto. A água é um elemento estratégico: além do quesito sobrevivência, está diretamente associada à matriz energética e à agropecuária, que foi responsável por quase metade das exportações brasileiras. Cultivar a água é a saída para uma vida econômica e ecologicamente mais segura e isso implica no enfrentamento direto às mudanças climáticas.
A natureza está dando um alerta. A emergência climática agravada pelo fenômeno do El Niño indica que teremos um cenário dramático se continuarmos no ritmo atual de aquecimento do planeta. O IPCC já alertou que, mesmo nos melhores cenários, podemos ultrapassar 1,5°C de temperatura na próxima década. Eventos como redução de rios, falta de chuva, enchentes e ondas de calor como as que afetaram o centro-sul do Brasil recentemente, podem ser a normalidade das estações.
Há uma lacuna pequena de tempo se quisermos reverter a curva do aquecimento e manter a temperatura em níveis seguros e garantir a quantidade e qualidade dos recursos naturais. Esse enfrentamento passa prioritariamente pelo desmatamento zero e pela redução do uso de combustíveis fósseis.
*Com informações do WWF-Brasil e Instituto Mamirauá