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Arcebispo de Manaus, dom Sérgio Eduardo Castriani fala sobre Páscoa e lições de Jesus Cristo

Apesar de reconhecer que a Páscoa é, para muita gente, só um feriado prolongado, Castriani se diz otimista: “no final das contas é o Amor que vence a morte”

Ivânia Vieira
20/04/2014 às 22:02.
Atualizado em 12/03/2022 às 11:12

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A Páscoa para grande parcela das pessoas virou sinônimo de feriado prolongado e ocasião para comer chocolate. A declaração é do arcebispo de Manaus, Dom Sérgio Eduardo Castriani, 60. No dia 23 deste mês, o sacerdote completará um ano e dois meses como chefe da Igreja Católica local. Na Amazônia, esse religioso da congregação do Espírito Santo, nascido em Regente Feijó (SP), está há 36 anos, dos quais 14 no Município de Tefé (a 525 quilômetros da capital amazonense).

É da experiência vivida no interior da região e na periferia das cidades amazônicas que brota a esperança do padre no triunfo da “ressurreição das vidas”. Dom Sérgio diz que viver a Páscoa em um ambiente como a Região Amazônica onde a vida tem exuberância, mas também está ameaçada, é um privilégio e é um compromisso: “o que se faz aqui na relação com a natureza aponta para o futuro da humanidade”.

Esse futuro, na opinião do arcebispo, tem a ver com o papel da Igreja no processo político e na construção da democracia brasileira e do Amazonas. Em um ano de eleições, o arcebispo avisa: “a Igreja não fará alianças com partidos, não fará troca de favores porque esse não é um bom caminho”. Na quinta-feira, Dom Sérgio conversou com A CRÍTICA sobre a Semana Santa, eleições e os desafios da Igreja Católica. A seguir a entrevista:

O marketing do comércio engoliu o sentido da Páscoa?

Embora esse seja um marketing muito forte, basta que frequentemos as comunidades, as paróquias, as áreas missionárias para sentirmos e experimentarmos que para o povo, sobretudo para os pobres, a memória da paixão do Senhor é um acontecimento importante e a certeza da ressurreição de Jesus ainda dá sentido e dá esperança às pessoas. As procissões e as representações feitas nas comunidades mostram isto. Impressiona o número de jovens que participam desses eventos. Mas temos que admitir que para grande parte das pessoas a Páscoa se tornou um feriado prolongado e uma ocasião de comer chocolate. Os ovos e os coelhos estão mais presentes que a cruz. Isto quando não se aproveita a ocasião para festas que nada têm de espírito cristão porque não respeitam a dignidade humana. Esse quadro não reduz meu otimismo, melhor, carrego comigo a esperança de que as pessoas  percebam que é preciso ir além das aparências e do consumo para se viver uma vida que tenha sentido e que sobretudo as relações humanas necessitam de fundamentos que brotem da eternidade, que no final das contas é o Amor que vence a morte e a degradação.

Diante dos conflitos do/no mundo, da voracidade do poder para controlar os povos e da sobreposição do ter, como o senhor define a Páscoa?

Esperança. Essa é a palavra definidora. Se Cristo ressuscitou, a história humana tem um sentido e a violência não tem a última palavra. O Cordeiro imolado é o vencedor mesmo que aparentemente o mal leve vantagem. A vitória final está garantida e por isso vale a pena viver na perspectiva da ressurreição e não ter medo de perder a vida para que todos tenham vida como fez Jesus. A humanidade já experimentou períodos de trevas em que tudo parecia estar perdido, mas a força do bem e do amor sempre a fizeram superar o desespero e a destruição. As vezes,  nessas ocasiões é que o ser humano mostra o melhor de si mesmo numa capacidade ilimitada de auto-superação. Para o cristão a ressurreição também é garantia da presença do Ressuscitado na história humana, e isso significa que Deus, em Jesus, caminha conosco e nada nos pode separar do seu amor.

Os católicos entendem o que a Páscoa? Quais os sinais?

 Creio que estamos sempre num processo de iniciação cristã e na caminhada de fé nem todos estão no mesmo ponto ou vivendo as mesmas etapas. A Páscoa é um mistério e mistério não se explica, se vive! Ao longo da história da Igreja nós sempre tivemos e temos homens e mulheres que se aproximaram com suas vidas da plenitude cristã em termos de comportamento e de compreensão da fé, outros só vislumbram a verdade. É aí que entra a catequese, a evangelização contínua, a liturgia e todos os outros meios de crescimento na fé. E ainda é preciso estar atento para as perversões da vida de fé, que são sempre uma tentação. Transformar religião em comércio, em entretenimento e até mesmo em magia é sempre um perigo que ronda a Igreja. Por isso a renovação e a conversão são permanentemente necessárias. Sinto que isso está acontecendo nas comunidades, nos grupos e em muitos movimentos.

Qual é o reflexo do Papa Francisco no reavivamento dos eventos cristãos e dos católicos em particular?

O Papa Francisco tem desafiado em primeiro lugar os católicos a viver uma vida de acordo com o Evangelho. Ora, o Evangelho é o anúncio da misericórdia divina. Viver a partir dessa misericórdia e de acordo com ela é o grande desafio para os cristãos. A Igreja deve ser fiel a Jesus Cristo e a mais ninguém. Viver e testemunhar essa fé em todas as situações é o que o Papa está tentando fazer e é impressionante como essa atitude acendeu a chama da esperança num mundo e numa Igreja já descrentes da possibilidade de mudança. Daí a sua presença constante na mídia, a animação das pessoas ao seu redor, e o sucesso de grandes eventos como a Jornada Mundial da Juventude.

Como o senhor vê a Páscoa acontecer para as populações da Amazônia?

A Amazônia é sinônimo de vida em abundância. É a região cheia de possibilidades tanto do ponto de vista biológico quanto cultural. Os povos que aqui vivem têm uma relação única com a natureza que se reflete também nas relações humanas. Viver a Páscoa num ambiente onde a vida tem tal exuberância mas que também está ameaçada é um privilégio e é um compromisso. O mundo olha para nós e aquilo que aqui se faz em termos de relação com a natureza aponta para o futuro da humanidade. Como sacerdote tive a graça de celebrar muitas vezes a Páscoa em comunidades ribeirinhas que vivem concretamente a sua fé lutando pela preservação da natureza e se organizando para ter qualidade de vida compatível com a sua dignidade de pessoas-imagens de Deus.

Este é um ano de eleições quase gerais no País, como a Igreja Católica vai agir nesse campo?

Como sempre tem agido nos últimos tempos. Em primeiro lugar, alertando a todos sobre a importância da participação no processo político e na construção da democracia; em segundo lugar, alertando a população para compreender que nem todo projeto político é compatível com a fé que professamos e com o mundo que queremos. Portanto é preciso conhecer bem os candidatos, os programas partidários e isso se dá no debate sério e não ficando só na propaganda. O voto tem consequência. A Igreja também não fará alianças com partidos, não fará troca de favores, pois está certa de que esse não é o bom caminho.

O movimento Ética na Política que tem na Igreja e na CNBB parte da base de articulação será retomado este ano?

O movimento continua. Estamos empenhados em apoiar a reforma política tão necessária para o aprimoramento da democracia e, sobretudo, incentivamos a participação dos católicos nos grupos que controlam a aplicação da “Lei da Ficha Limpa” (nome popular da Lei Complementar nº 135-2010 que fortalece as punições aos que burlaram a lisura e a ética das eleições ou que tenham sido condenados nas esferas eleitoral, administrativa ou criminal).

Quantos são os católicos no Amazonas?

Difícil saber. Acreditamos nas estatísticas do IBGE que ainda apontam uma ligeira maioria de católicos no conjunto da população. As nossas comunidades estão cheias e muito animadas. Há uma grande presença de jovens o que significa presente e futuro. O desafio é manter-nos fiéis ao evangelho iluminando a todos com o nosso testemunho.

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