Economia

Manaus lidera produção de bikes, mas é pior capital para ciclistas

Entre as capitais do país, Manaus é a que tem menos quilômetros de malha cicloviária para cada 100 mil habitantes (1,55)

Waldick Júnior
08/07/2023 às 08:49.
Atualizado em 08/07/2023 às 12:20

(Foto: Jeiza Russo)

Há cinco anos, o gerente de comércio exterior Marco Antônio dos Reis passou por uma experiência fortemente temida por ciclistas de  Manaus. Enquanto fazia um passeio noturno com cerca de 50 ciclistas na Avenida Coronel Teixeira, Zona Oeste de Manaus, ele foi atropelado por um veículo que não observou o grupo com as bicicletas. 

"Eu estava coordenando um passeio e vinha num pelotão atrás. A motorista do veículo me acertou por trás, me jogou para cima da calçada e acabou passando por cima da minha bicicleta. Após o atropelamento eu fui encaminhado a um hospital. Pegou meu lado esquerdo todo, [tive ferimentos na] perna, costas e braço", relembra.

(Foto: Arquivo pessoal)

Ele teve uma boa recuperação, não precisou fazer fisioterapia, mas ficou abalado por um tempo até conseguir retornar às ruas com uma bicicleta. Aliás, teve de utilizar uma nova, porque, no acidente, teve perda total da sua antiga bike importada, avaliada em R$ 5 mil. Ele até processou a motorista que o atropelou, mas o caso está parado até hoje. 

"Como adotei a bicicleta como meio de transporte, acabei tendo que utilizar novamente. Fiquei um mês parado. No início foi um pouco difícil voltar, porque você fica com medo, mas depois eu fui me acostumando novamente com o trânsito", comenta.


Promessa

 Um 'detalhe' torna a história do acidente ainda mais relevante: Marco foi atropelado em uma via que tem a promessa de ganhar uma ciclovia desde 2015 - obra que nunca saiu do papel. Era o plano de ligar a avenida Boulevard Álvaro Maia à praia da Ponta Negra, nascido ainda na gestão do ex-prefeito Arthur Neto (saiba mais ao final).
 
"Se tivéssemos  mais espaços como ciclovias e ciclofaixas, seria muito mais seguro. Porém, como a malha cicloviária na cidade é ruim, resta aos ciclistas disputar as vias com os automóveis, motos, ônibus e caminhões", afirma o ciclista.

Marco Antônio teve sorte de não ter entrado para a triste estatística de ciclistas que perderam a vida no trânsito de Manaus. De acordo com dados do coletivo Pedala Manaus, de 2013 até hoje, foram 33 ciclistas mortos em acidentes na capital amazonense. 

 Contradição

 Dados da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) revelam que Manaus é a capital brasileira com menos ciclovias e ciclofaixas por habitantes. A cada 100 mil pessoas, há 1,55 quilômetros de malha cicloviária. Para se ter ideia, o penúltimo lugar, São Luís (MA), tem mais que o dobro (3,23 km) da cidade amazonense.

Se por um lado Manaus carrega essas estatísticas que desmotivam o aparecimento de novos ciclistas, por outro é a sede da maior produção nacional de bicicletas, no polo de duas rodas da Zona Franca de Manaus (ZFM). O Brasil, carregado pela indústria do Amazonas, é o maior fabricante de bikes das Américas.

De acordo com dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), a estimativa é que sejam produzidas 2,5 milhões de unidades de bicicletas neste ano, no país, sem contar as infantis. 

"Manaus é a cidade do Ocidente que mais produz bicicletas. Hoje virou polo de produção de bicicleta elétrica e é a pior capital para se pedalar. Isso porque falta vontade política, falta priorização, o entendimento do que é mobilidade urbana, do que é acesso à cidade", avalia um dos coordenadores do coletivo Pedala Manaus, Paulo Aguiar.

Na percepção dele, a cidade está sendo pensada para carros particulares. "Manaus é uma cidade que só pensa no carro. Então, você vê a prefeitura ou o governo estadual fazendo viaduto, alargando vias, construindo passarelas, ou seja, desestimulando o uso de bicicletas e estimulando cada vez mais o uso do carro", pontua. 

Cobrança por ciclovias na avenida Ephigênio Salles (Foto: Jeiza Russo)

  

Malha cumpre 18% do plano

 Instituído em 2015, o Plano de Mobilidade Urbana de Manaus traz como uma de suas dez principais diretrizes a ampliação do sistema cicloviário da cidade. Há, inclusive, uma proposta de 190 quilômetros, com indicações de ruas, para interligar bairros a áreas centrais. Porém, oito anos depois, Manaus chega a apenas 35 quilômetros - 18% do previsto.  

“Não temos quase nada de estrutura cicloviária. A malha cicloviária não é conectada, está em péssimas condições, bem abandonada e é insegura. O ciclista acha mais seguro andar na rua do que nessas ciclofaixas”, comenta Paulo Aguiar.

A malha foi construída durante as gestões do ex-prefeito Arthur Neto. Algumas receberam fortes críticas pela forma como foram construídas. A primeira, do Boulevard, foi feita por cima da calçada.

(Foto: Jeiza Russo)

  

‘Desastrada’

 A segunda, na avenida Coronel Teixeira, compete com os carros. Foi, inclusive, alvo do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), que a classificou como “desastrada”. 

Em 2021, já na gestão do prefeito David Almeida (Avante), a prefeitura assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para tirar a ciclofaixa e colocar no lugar uma ciclovia. O anúncio do início das obras foi feito em maio.

À reportagem, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) informou que a via terá 3,6 quilômetros. Deste total, 1 quilômetro já foi concluído. A obra está avaliada em R$ 4 milhões.

“O projeto prevê o percurso desde o passeio próximo aos quartéis, à casa de eventos Dulcila, até a praia da Ponta Negra, com um retorno em duplo sentido de tráfego de bicicletas”, informou a pasta.

(Foto: Reprodução)

 A CRÍTICA também questionou se há previsão de novas obras para ampliação da malha cicloviária, mas não houve resposta para esse ponto. Também tentamos entrevista com o diretor-presidente do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (Immu), Paulo Henrique Martins, mas a assessoria informou que ele está em viagem.

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