Ator decadente e alienação nas redes sociais

Filme de Thiago Cazado mergulha no submundo artístico e explora uma história de amor em meio ao caos

O brasiliense Thiago Cazado tem 36 anos e desde os 11 atua nas artes

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28/01/2023 às 13:55.
Atualizado em 28/01/2023 às 13:56

Thiago Cazado, como Marley (Foto: Arquivo pessoal)

Um decadente ator de novelas, que mergulha em dívidas com agiotas, bola mais uma falcatrua para tentar ressurgir no mundo artístico e coloca em risco um de seus maiores fãs. Denis (Will Oliveira), um "sortudo" admirador do trabalho de Marley (Thiago Cazado) ganha um dia para ficar pertinho do ídolo. Do sonho ao pesadelo, 82 minutos de drama, reflexões sobre a aparente vida fácil nas redes sociais e muita, muuuuita comédia.

Esse rascunho é a base do roteiro impagável de Um Sonho Chamado Marley, novo longa de comédia no universo LGBTQIA+, assinado por Thiago Cazado.

"É uma comédia romântica, tem um pouquinho de tudo, de ação, de drama. O roteiro fala muito sobre o comportamento nas redes sociais", conta Thiago.

Assista à entrevista completa com Thiago Cazado

Um Sonho de Marley: o que vem por aí

Sufocado pela pressão de ter que retornar ao estrelato, Marley não está sozinho quando o assunto é criar situações pescadoras de likes e pilantragens. Otávio (PH Mendes), agente pessoal do ator falido, é quem ajuda a montar a promoção que levaria o pobre Denis a ver de perto a pior face de Marley.

"Tudo do Marley é fake. Ele e o agente alugam uma casa super chique durante algumas horas para fazer videozinhos, para dizer que a casa é dele. Só que não é".

Seria o artista fictício o espelho do que acontece com muitos da vida real? "A gente está muito impelido em mostrar demais. Muitas vezes não é a verdade o que a gente mostra. Até que ponto isso não tá afetando a gente?", reflete Thiago Cazado, ao olhar para o próprio comportamento. "Eu não sou ele, acho que fala um pouco sobre todo mundo. A gente vai rir do filme justamente porque se reconhece. Não tem muito de mim em Marley, mas, de alguma maneira, essas coisas de redes sociais me afetam".

Eu tenho esse cuidado de botar um limite entre o que eu devo mostrar ou não. No comecinho, eu era um pouco mais solto. Só que, pra minha paz, eu preciso ter um certo cuidado com as redes sociais, pra poder me preservar. Nesse sentido, o filme tem alguma coisa que eu quero dizer. - Thiago Cazado, ator e diretor.

Um Sonho Chamado Marley foi rodado em Brasília, terra natal de Thiago Cazado. O ator analisou como o cinema tem descentralizado produções que antes se limitavam aos chamados grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. "Eu acho legal mostrar Brasília nos filmes, não é muito comum. É legal ter essas referências para o público conhecer a cidade", explica o ator antes de emendar, em tom de brincadeira, um legítimo pedido sobre o reconhecimento que ele e outros produtores independentes deveriam ter. "Quem sabe eu viro cidadão honorário um dia fazendo isso".

O 3º longa da carreira de Thiago Cazado está em processo de finalização e deve ser anunciado nos próximos dias. Primeiro, de acordo com o artista, o filme vai rodar em salas de cinema de algumas cidades, como Belo Horizonte (MG), no dia 8 de abril. Thiago estará presente. Um Sonho Chamado Marley poderá ter ainda a chance de ser veiculado em outros países através de uma distribuidora internacional. O artista também negocia a obra com uma plataforma de streaming. Detalhes a gente anuncia em breve!

Thiago Cazado, como Marley (Foto: Arquivo pessoal)

Independência ou... Arte!

Para transformar Um Sonho Chamado Marley em realidade, cerca de 15 artistas se dividem entre protagonistas, coadjuvantes, produtores, editores e direção. Não é barato fazer cinema em lugar nenhum do planeta, mas as coisas ficam ainda mais apertadas quando um País enfrenta o que o Brasil passou nos últimos quatro anos, quando a Cultura foi desmontada e limitou-se ao pum imaginário de um palhaço tosco e uma secretária viúva de sua própria arte.

Depois de Regina Duarte e Mário Frias sucumbirem junto com o desmonte da Cultura, um dos setores mais importantes para a sociedade volta a assumir status de Ministério, com Margareth Menezes no comando. "Foi tão ruim, tão ruim que não tem como piorar", sentencia Thiago Cazado ao lembrar o governo Bolsonaro que via, e falava abertamente, a Cultura como uma espécie de hérnia.

Com desbloqueios recentes, algo em torno de R$ 1 bilhão, o Ministério da Cultura espera voltar a fomentar as mais diversas artes. Alívio, principalmente, para produtores independentes que buscam alternativas para fazer frente ao cinema e a outros segmentos que dependem exclusivamente de grandes patrocínios privados. 

Se as pessoas fossem se conscientizar melhor veriam que a cultura é essencial, muito importante. - Thiago Cazado, ator e diretor.

Temática LGBTQIA+ e a 7ª arte

Assim como na vida real, no cinema a diversidade ganhou maior notoriedade nas últimas décadas. Filmes premiados e aclamados pela crítica tratam sobre o mundo LGBTQIA+, seus dramas, conquistas e fracassos. No 3º longo que assina, Thiago Cazado aborda, mais uma vez, a vida como ela é para quem integra uma parcela importante, mas ainda discriminada. Um Sonho Chamado Marley, diz o ator e diretor, é um daqueles filmes com os quais a gente se identifica justamente pela forma como a comédia romântica foi desenvolvida.

"É o lugar certo para fazer isso, cinema é pra isso. No cinema independente é mais fácil você falar o que você quiser, da forma que você quer", explica o roteirista que assume certa resistência em aderir à indústria que necessita de, e gera, milhões de reais para se manter. "Quanto mais gente entra, menos autoral ele fica. Por isso que eu gosto muito de ser independente".

Bancar o longa-metragem requereu trabalho de formiguinha. Foram 4 anos juntando dinheiro para conseguir caixa e transformar o roteiro no filme que chega às telonas nos próximos dias. No meio do caminho, o projeto por pouco não foi cancelado. Temeroso em não conseguir mais voltar a atuar e produzir, dadas as dificuldades impostas pela equipe de Jair Messias Bolsonaro, Cazado chegou a abraçar a música como forma de se sustentar. Mas, a persistência e o espírito da 7ª arte gritaram e Marley saiu do papel. "Depois de um tempão eu consegui a verba para fazer", lembra.

Um orgasmo pelo prazer chamado cinema

Carinha de 19 anos, a idade é quase o dobro, e uma 'afronta' para nós que caminhamos rumo aos 40: 36. Nessa matemática, ainda tem o tempo de atividade que soma incríveis 25 anos. Thiago Cazado é daqueles caras que a gente tem certeza que vieram ao mundo praquilo, nesse caso, o cinema.

Nascido em Brasília (DF), em 9 de abril de 1986, desde muito cedo Thiago despertou para a arte da atuação. "Sempre fui muito apaixonado por cinema, filmes, novelas. Coisa que mais faz feliz hoje na minha vida é saber de uma história, viver uma história".

O ator começou no teatro, já no cinema fundou uma produtora de vídeos independentes para o YouTube. Com milhões de visualizações, produziu diversos curtas até chegar aos longas-metragens. Todos dentro da temática LGBTQIA+.

Quando estou assistindo a um filme bom, nossa... Quase tenho um orgasmo. - Thiago Cazado, ator e diretor.

Foi com a ajuda da mãe que Thiago deu os primeiros passos. "Fazia filme em casa com aquelas fitas VHS. Minha mãe filmava e eu fazia todos os personagens".

Sutileza até nas cenas mais picantes

Desejo, nudez e sexo. O trio perfeito para quem busca curtir um filme quente e cheio de alimento para a fantasia. Mas, não se trata de erotismo e sim de componentes que caminham junto com a explosão de quem se apaixona à primeira vista. Nas obras escritas e interpretadas por Thiago Cazado é possível observar como a sutileza transforma o que poderia se resumir à vulgaridade em um espetáculo.

Até as cenas mais picantes são transformadas em doçura e nos ajudam a entender como a sutileza é importante para manter viva a fábrica de sentimentos que gira em torno do cinema.

O primeiro longa de Thiago Cazado foi Sobre Nós (2017). O filme narra o história de Diego e Matheus. Passeando pela metalinguagem, descreve o drama entre o amor e uma paixão tão igualmente forte: o cinema. Diego é apaixonado pela área e conquista uma bolsa na Califórnia. Matheus, biólogo, é pego de surpresa quando descobre que o amado deixará o Brasil em busca de um grande sonho. O filme tem roteiro cativante, intenso e sutil ao mesmo tempo.

"Começou como uma autobiografia. Tem 15% de autobiografia, momentos, algumas lembranças", conta o roteirista que chegou a desenhar um filme sobre a própria vida, mas mudou os rumos no caminho.

No fim das contas, Sobre Nós se dissolve em um torrente 'adeus', o que permite ao espectador decidir, ou imaginar, qual o real desfecho. Vale muito a pena assistir!

Outro grande sucesso, Primos (2009) se desenvolve em torno das histórias antagônicas de Lucas e Mário. O primeiro é um jovem que, depois da morte dos pais, passa a morar com a tia religiosa, dona Lourdes. O segundo é um aloucado bad boy recém-saído da cadeia por tráfico de drogas.

Também com roteiro amarrado de forma sutil, o longa conta como surge uma paixão explosiva entre dois jovens de mundos totalmente diferentes. Mas, principalmente, Primos é uma aula de humanidade e aceitação. Quando todos pensavam que, ao serem descobertos pela tia religiosa, e por um punhado de vizinhos fanáticos, Lucas e Mário seriam execrados e expulsos, a bela surpresa. "Cansei de vocês, vão todos à merda", esbraveja tia Lourdes contra os olhares de julgamento, em um momento de fúria que destoa da aparência de beata. "Deus é amor. Se vocês se amam, vocês estão nos braços de Deus".

Sobre Nós Primos são primorosos. Com fórmula simples, mais contemplativa, os longas fogem dos dramalhões recheados de efeitos visuais e texto pesado. Simplicidade e grandiosidade. Até nisso, Thiago Cazado acerta em cheio ao fazer de enredos antagônicos o perfeito sinônimo que somente o verdadeiro cinema pode proporcionar.

Agora é aguardar Um Sonho Chamado Marley. Não esperamos menos que o máximo!

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