Entrevista

"As pessoas não pedalam porque têm medo de morrer", diz Paulo Aguiar

Coordenador-geral do Movimento Pedala Manaus avalia que a capital amazonense precisa de mais políticas públicas que incentivem o uso de bicicletas

Waldick Junior
online@acritica.com
28/10/2023 às 13:41.
Atualizado em 28/10/2023 às 13:41

(Arquivo Pessoal)

Embora seja a sede da maior produção nacional de bicicletas, na Zona Franca, Manaus é a capital brasileira com menos ciclovias e ciclofaixas por habitantes. A cada 100 mil pessoas, há 1,55 quilômetros de malha cicloviária.   Os dados são da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike).

Para entender o que pode explicar essa contradição na cidade, A CRÍTICA entrevistou o coordenador-geral do Movimento Pedala Manaus, Paulo Aguiar. O coletivo criado em 2010 promove a bicicleta como meio de transporte, participa de discussões sobre o tema e é referência na contribuição de sugestões para políticas públicas.

Para ele, falta vontade política para que as bicicletas sejam mais utilizadas como transporte nas ruas. “Temos uma máxima que diz: ofereça a infraestrutura que os ciclistas virão”, destaca. A entrevista completa está disponível abaixo.

Quais entraves Manaus enfrenta para a implementação de ciclovias e ciclofaixas, e qual a definição de cada um desses tipos de vias para bicicletas?

Leis para isso nós temos. Temos uma Política Nacional de Mobilidade Urbana. Temos um Plano de Mobilidade Urbana de Manaus e temos o Plano Diretor. A gente tem leis que preconizam a importância de termos uma infraestrutura cicloviária. E o principal, essas leis apontam que a bicicleta e o transporte coletivo deveriam ter prioridade sobre o transporte motorizado individual. Então, temos leis e isso está estabelecido. O que falta é vontade política, porque, da mesma forma que você tem orçamento para construir viaduto ou alargar uma via, poderia tirar uma parte para construção de ciclovias, ciclofaixas ou ciclorotas. Em relação à infraestrutura cicloviária, temos a ciclovia, que é segregada da pista de rolamento dos carros, como aquela na avenida das Torres, e pode estar adjacente à calçada. A outra é a ciclofaixa, que também é segregada da pista de rolamento, mas a diferença é que essa segregação é feita por tachões ou uma pintura no asfalto. É o caso da ciclofaixa da avenida Nathan Xavier, que está completamente abandonada. Além disso, você tem as ciclorotas, que são estruturas para bicicletas, mas não são segregadas dos carros. O ciclista transita na mesma faixa de rolamento de um veículo. A ciclorota deve ser implantada em vias onde a velocidade não pode passar de 30 km/h. A gente tinha ciclorotas no Centro quando havia o ManôBike.

Manaus possui um dos principais polos de produção de bicicletas do Ocidente e faz o Brasil ser o maior produtor de bikes das Américas. Com uma contradição, é a pior capital para ciclistas, por ter apenas cerca de 1,55 quilômetros de malha cicloviária para cada 100 mil habitantes, segundo a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). O que explica esse contraste?

Temos uma máxima que diz o seguinte: ofereça a infraestrutura que os ciclistas virão. Por que as pessoas não pedalam em Manaus? Porque elas têm medo de morrer atropeladas. Você não tem infraestruturas, tem altas velocidades, muito carro. Você tem um desrespeito e desconhecimento das leis por parte dos motoristas. Então, se o ciclista não se sente incentivado a pedalar, ele não consome bicicleta. O varejo é muito forte na região Sul e Sudeste. As bicicletas produzidas aqui atendem uma demanda de lá. E por que não vende tanta bicicleta em Manaus? Porque as pessoas têm medo de pedalar. É até um ponto de reflexão para o mercado local. O varejista aqui em Manaus, que vende bicicleta, poderia pressionar o poder público para que criasse condições melhores para as vendas dele subirem também. As próprias indústrias de bicicletas, se você tivesse uma demanda maior em Manaus, poderiam produzir mais para atender essa demanda local.

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 Durante a gestão do ex-prefeito Arthur Neto, tivemos uma promessa de ciclovias e ciclofaixas que iriam da avenida Álvaro Maia (Boulevard) até a Marina do Davi, na Ponta Negra. A obra, além de incompleta, foi alvo de uma série de críticas e virou até alvo do Ministério Público do Amazonas por não corresponder à legislação. O que deu errado?

A gestão do Arthur foi a que deu início a esse diálogo, trouxe a bicicleta como meio de transporte para discussão. Ele tinha um projeto bem ambicioso no primeiro mandato, fazer 20 quilômetros de ciclovia por ano, mas não fez, falhou de forma vergonhosa. No segundo mandato, ele tentou fazer tudo o que não fez no último ano. E aí vide o que estamos vendo de ciclovias malfeitas, projetos mal-executados. O lado positivo da gestão anterior é que ela escutava. De alguma forma, mesmo minimamente, se preocupava com o assunto. Na gestão do Arthur, por exemplo, houve uma campanha de proteção ao ciclista que foi premiadíssima, muito bem feita. Mas, porque foi feita junto com os ciclistas. Acho que a gestão anterior falhou ao não dar prioridade e foco ao que foi prometido em campanha. Na pandemia, por exemplo, poderia ter instalado ciclovias temporárias para estimular as pessoas a saírem do transporte público e utilizarem as bicicletas. 

Falando agora da gestão do prefeito David Almeida, que está trabalhando em uma ciclovia de 3,6 quilômetros, um investimento de R$ 4 milhões. Vai mais ou menos do shopping Ponta Negra até a praia. Em comparação à gestão anterior, estamos melhores, piores ou na mesma?

Hoje está muito pior, porque vamos para o último ano de mandato e não tivemos nenhuma campanha massiva de proteção ao ciclista. A malha cicloviária diminuiu nessa gestão atual. A gente não teve nenhuma manutenção das já existentes e não temos diálogo. O prefeito não houve as pessoas certas. O Pedala Manaus nunca teve uma reunião com ele. Ele não houve o Conselho de Arquitetura e Urbanismo para discutir mobilidade no perímetro urbano. A gente só vê a prefeitura investir em obras para carros, construir viadutos, passarelas, que são coisas que vão contra a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Ela fala para você desestimular o uso do carro, mas vemos ele fazendo o contrário. Até vemos ele trazendo mais ônibus e acho que isso é algo louvável, mas o transporte ativo é zero. 

Você disse que não há diálogo com a atual gestão. Por quê?

Na campanha de 2020, entregamos uma carta ao David Almeida com 42 propostas para mobilidade urbana. Ele assinou, se comprometeu e de lá para cá quase nada foi cumprido. Por várias vezes tentamos conversar com ele. Pela carta, houve comprometimento em ampliar a malha cicloviária, criar zonas calmas, ou seja, reduzir a velocidade das vias. Ele se comprometeu com um orçamento mínimo para infraestrutura cicloviária. 

No caso da malha cicloviária, a prefeitura está trabalhando na ciclovia da avenida Coronel Teixeira, que vai até a Ponta Negra. Você considera que isso é insuficiente em comparação ao que previa a carta?

Ele está prometendo fazer uma obra que foi feita errada [na gestão Arthur] e ele só está fazendo porque teve um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) do Ministério Público. No nosso entendimento, não é algo que ele fez porque pensou 'ah, vou fazer uma ciclovia'. Ele só fez porque o MP foi lá e falou 'você tem que refazer isso'. E ele fez suprimindo um pedaço dela. A ciclofaixa tinha um trecho que ia do conjunto Ayapuá até o shopping Ponta Negra. Na obra atual, esse trecho não existe mais. Ou seja, está atendendo ao TAC, refazendo a obra que o Arthur deixou mal-feita, mas está fazendo de forma incompleta. 

(Arquivo Pessoal)

 Como tornar o uso da bicicleta como meio de transporte mais seguro e atrativo?

O ciclista não pedala mais porque as pessoas têm medo de morrer na rua. E o trânsito de Manaus mata. É um trânsito muito hostil. Então, para você trazer segurança, tem que pensar a cidade como um todo. Vias calmas, por exemplo, não temos. A velocidade regulamentada da maioria das ruas de Manaus é de 60 km/h, que ninguém respeita. Então, um ponto é acalmar as vias, algo que Fortaleza está fazendo e é um exemplo para Manaus e mundo. Outra é investir em infraestrutura. A gente não vai conseguir ter uma cidade com 100% de cobertura para ciclovias e ciclorotas, mas a gente precisa ter esse espaço. E onde não tiver, uma via calma vai trazer essa segurança para o ciclista. Junto da redução da velocidade, tem que ter fiscalização. Tem que ter radar, algo que não temos, um negócio absurdo. Temos que ter infraestrutura e política pública que incentive mais o uso da bicicleta. É estimar as empresas a criarem vestiários, locais adequados para guardar a bicicleta, bicicletários nos terminais de ônibus, em prédios públicos. É estimular as empresas a fazer com que seus funcionários passem a andar de bicicleta. 

Você pode dar desconto no IPTU de estabelecimentos que constroem bicicletários, criar linhas de financiamento para compra de bicicletas, etc. Em paralelo, criar ações que desincentivem o uso do carro. Londres, por exemplo, cobra pedágio. Em São Paulo, há rodízio. Agora não adianta criar essas condições se não criar políticas que permitam às pessoas deixar o carro em casa. Muitas pessoas usam esses veículos porque não há transporte público adequado. 

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