Adolescência interrompida

Casamento infantil no Amazonas têm crescimento de 24,2% em três anos

Em 2020, foram registrados 165 matrimônios em que um dos cônjuges tem menos de 18 anos; em 2023 foram 205 uniões.

Robson Adriano
cidades@acritica.com
16/03/2024 às 08:46.
Atualizado em 16/03/2024 às 15:15

Em 2024, a Anoreg-AM já registrou 32 casamentos civis onde um dos pares é menor de idade, e um, onde ambos os cônjuges são adolescentes. (Foto: Jeiza Russo)

Em três anos, subiu 24,2% o matrimônio civil em que um dos cônjuges é menor de 18 anos, os chamados casamento infantil. Em 2020, foram registrados 165 matrimônios em cartório e 205 uniões no ano de 2023. 

No comparativo entre o ano passado e 2022, consta um aumento de 5,1%. Os dados são da Associação dos Notórios e Registradores do Estado do Amazonas (Anoreg-AM) e não especificam por gênero ou idade. 

Até o último dia 8 deste mês, a Anoreg-AM registrou 32 casamentos civis onde um dos pares é menor de idade, e um, onde ambos os cônjuges são adolescentes. 

Manaus encabeça a lista de matrimônio civil: 102 entre menores com maiores de idade e dois casamentos entre menores em 2023. Seguido de Itacoatiara (12), Careiro (10), Manacapuru e Tefé com sete casamentos registrados em cartório. Os dados também não especificam por idade ou gênero. 

Panorama

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou no inicio deste mês um panorama dos casamentos no Brasil em 2021. Em todo o Amazonas, foram catalogados 13.199 matrimônios. E desse total, 185 foram com meninas entre 16 e 17 anos. Outros três com meninas com menos de 16 anos. Esses números representam 1,4% do total de casamentos ocorridos naquele ano. No mesmo período, 19 meninos até 17 anos casaram em todo o estado (0.1%).

Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) da Organização das Nações Unidas (ONU) do ano de 2022, o Brasil ocupa a quarta colocação mundial de casamento infantil, na frente estão os países: Índia, Bangladesh e Nigéria. Dados da Organização Não Governamental (ONG) Girls Not Brides (Meninas, não noivas), mais de 2.2 milhões de brasileiras adolescentes são casadas, o que representa 36% das menores de idade do país.

Caso

Homens mais velhos podem se aproveitar da inocência de crianças e adolescentes para a prática criminosa. Como o ocorrido no último dia 7 deste mês. Um suspeito de 25 anos foi preso em flagrante no município de Manacapuru (distante 68 quilômetros em linha reta da capital) por estupro de vulnerável e subtração de incapaz. Ele segue a disposição da Justiça. Os crimes foram cometidos contra uma menina de 11 anos. 

Segundo a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM), o suspeito e a vítima se conheceram na cidade de Codajás (distante 240 quilômetros em linha reta) e ele a convenceu que ambos eram namorados e viajou com a menina sem a autorização os pais dela. Testemunhas que estavam no barco informaram que viram o homem beijar a criança e trocar carícias na rede. A família registrou Boletim de Ocorrência (BO) de desaparecimento e o desembarcar ele foi preso. 

Cenário preocupante

Esses números escancaram uma realidade: a relação afetiva e casamento onde um dos envolvidos é menor de idade, seja do gênero feminino ou masculino. Muitos impactos são ignorados e a questão do casamento infantil pode ser multifatorial. A advogada Alessandrine Silva, integrante da União Brasileira de Mulheres (UBM), pontua que a vulnerabilidade social tem ligação com esses números de casamento infantil.

A advogada Alessandrine Silva, da União Brasileira de Mulheres, avalia que a vulnerabilidade social tem relação com o casamento infantil (Foto: Arquivo pessoal)

“Aqui no Amazonas é algo que consideram ‘comum’. Basta observar os dados de gravidez, crianças de 10 a 14 anos que acabam virando mães, são cerca de 500 no ano. Então, normalmente os motivos são pobreza, vulnerabilidade social, a própria disfuncionalidade da família que leva a esse casamento, a falta de políticas públicas em relação a parentalidade e os direitos das crianças também levam a essa ‘normalização’ do casamento infantil”, disse Alessandrine Silva.

 De acordo com o DataSus, base de dados do Ministério da Saúde, no ano de 2022, foram registrados 1.007 mil nascidos vivos de meninas com idade entre 10 a 14 anos em todo o AM. E 14.191 mil nascidos vivos de mãe adolescentes entre 15 a 19 anos. “Não está faltando política publica em relação a essas meninas que engravidam? Existe um descaso em relação a questão de gênero que impacta muito mais as mulheres”, pontuou a advogada.

Para Alessandrine essas meninas estão sujeitas à violência doméstica. “A diferença entre idade de quem pratica casamento infantil no Brasil é: as meninas tem 15 e os meninos 21 e 22 anos. Então, essa menina está sujeita a violência psicológica. E também as consequências práticas como o abandono escolar, que em relação as meninas é casamento e gravidez. Além disso, a chance de a menina entrar no ciclo de violência doméstica é maior”, frisou.

Lei mais rigorosa

A Presidente da Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM), Thandra Sena, explicou que a lei está mais rigorosa. 

“O Código Civil permite casamento a partir dos 16 anos e com o consentimento de ambos os pais. A partir de 2019 tivemos uma alteração mais rígida pois não abre nem uma exceção para abaixo dessa idade. O estupro de vulnerável é quando ocorrer um ato libidinoso com menores de 14 anos com pena de 8 a 15 anos de reclusão”, disse Thandra Sena.

Advogada Thandra Sena ressalta que a legislação que trata do casamento de pessoas menores de 18 anos está mais rigorosa. (Foto: Divulgação/OAB)

 Sobre o cenário no interior do Amazonas onde crianças e adolescente casam com maiores de idade, a presidente, lamenta que seja realidade.

“As vezes até com o apoio dos pais, as circunstâncias são as mais diversas, mas tem relação com questões econômica e com a própria falta de zelo dos pais em relação aos filhos. É um dever dos pais guardar e educar a criança e o adolescente. Por mais que dentro do nosso estado se tentem justificar não podemos permitir”, disse Thandra Sena.
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