custo elevado

Para atuar no interior do Amazonas, médicos chegam a cobrar R$ 204 mil por mês

O alto custo para contratação dos profissionais dificulta ainda mais o acesso à saúde em municípios distantes da capital

Waldick Junior
waldick@acritica.com
08/04/2023 às 10:32.
Atualizado em 08/04/2023 às 10:32

(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Tratados como “artigo de luxo”, médicos especialistas chegam a cobrar R$ 204,6 mil para atender, por 31 dias, em hospitais públicos de municípios do interior do Amazonas. O valor é quase cinco vezes maior que o teto do funcionalismo brasileiro - o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 41.650.

O alto custo para contratação dos profissionais dificulta ainda mais o acesso à saúde em municípios distantes da capital do Amazonas, onde está concentrada a rede de atendimento de média e alta complexidade. 

É o caso de Lábrea, que está sem médico especialista, porque a prefeitura não tem condições de pagar por um profissional. A afirmação é do secretário de Saúde do município, Dário Vicente da Silva. 

“Recentemente fiz uma consultoria numa empresa para enviar três especialistas para o município. Seria um cirurgião-geral, um anestesista e um ginecologista-obstetra. Por esses três profissionais, a empresa nos cobrou R$ 503 mil”, conta ele.

Segundo o orçamento acessado por A CRÍTICA, o profissional mais caro é o anestesista. A diária chega a R$ 6,6 mil, o que perfaz um valor de R$ 204,6 mil por mês. Ginecologista-obstetra e cirurgião-geral cobram, cada um, R$ 148,8 mil mensais. 

“Outro médico cobrou R$ 120 mil por 20 dias. Como é que vamos legalizar um pagamento desse valor para um profissional?”, questiona o secretário de Lábrea.

Pagamentos

A reportagem acessou o Portal de Acesso à Informação e Transparência dos Municípios do Amazonas e encontrou pagamentos de até R$ 46,3 mil a médicos - valor três vezes maior que o subsídio pago ao prefeito da cidade, como é o caso de Caapiranga.

(Arte: A Crítica)

 Apesar do que consta nas folhas, o presidente do Conselho de Secretários Municipais do Amazonas (Cosems-AM), Manoel Barbosa, afirma que as prefeituras chegam a pagar R$ 90 mil mensais, em média, para um médico especialista.

“Especialista é um artigo de luxo no interior, porque os municípios não conseguem manter um profissional desse. Por 30 dias não conseguem”, afirma ele, que é secretário de Saúde em Boca do Acre.  

Segundo Barbosa, além do alto custo, os médicos costumam preferir trabalhar por 15 ou 20 dias no município, o que deixa as gestões municipais em constante preocupação sobre a permanência do quadro de médicos.

“Geralmente eles não querem ficar os 30 dias, aí o que o município faz, acaba contratando dois, um para cada 15 dias. Dois cirurgiões para poder ter especialista nos 30 dias. É muito complicado”, comenta o secretário.

Solução

Durante sessão do dia 22 de março na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM), deputados cobraram maior envio de profissionais  pelo 'Mais Médicos', reimplantado pela nova gestão Lula. Apesar disso, os maiores valores são pagos a médicos especialistas, categoria não inclusa no programa federal.

Para gestores municipais ouvidos por A CRÍTICA, as prefeituras teriam um alívio das contas se tivessem maior ajuda do Governo do Amazonas na divisão dos gastos. 

Segundo o presidente da Associação Amazonense de Municípios (AAM), Anderson Souza, há negociações com o governo estadual a esse respeito. 

“No período do governo José Melo, ele fez uma tratativa com os prefeitos e transferiu a responsabilidade [de gestão] dos hospitais para as prefeituras. Só que a parte do Estado não tá sendo cumprida. Mostramos para o governador, ele falou com o Anoar [secretário estadual de Saúde], para que possamos fazer uma nova repactuação”, pontua Souza.

Segundo ele, a necessidade de médicos nos hospitais é de responsabilidade do governo estadual, porém, tem sido assumida pelas gestões municipais. “A média e alta complexidade é de responsabilidade estadual. Já a prefeitura cuida da atenção básica”, explica o prefeito. 

A reportagem pediu nota à Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas  (SES-AM) e aguarda retorno. Também procuramos o Conselho Regional de Medicina (CRM) para saber a posição da entidade frente às críticas aos salários dos médicos. Seguimos aguardando resposta.

'Mais Médicos' é solução parcial

Relançado pelo governo federal, o Mais Médicos é elogiado pelos secretários de Saúde entrevistados pela reportagem. Segundo os gestores, o custeio de médicos da atenção básica pela gestão federal ajuda a reduzir os custos dos municípios. 

“Contar com esse programa é sempre muito bom para a gente, porque o médico é o profissional de maior custo na equipe”, afirma o secretário de Saúde de Manacapuru, Rodrigo Balbi.

A solução só não é completa, porque o programa inclui apenas profissionais da atenção básica, enquanto os médicos mais caros são os especialistas.

Ainda assim, o Mais Médicos alivia as contas, segundo os secretários. Em apuração no portal da transparência dos municípios, A CRÍTICA encontrou médicos da atenção básica recebendo acima de R$ 25 mil mensais.

“Com esse programa, os municípios entram apenas com a contrapartida. No Mais Médicos é de R$ 3 mil e no Médicos pelo Brasil a partir de R$ 1,1 mil. Já quando a prefeitura precisa contratar por conta própria é R$ 20 mil aqui em Lábrea”, comenta o secretário de Saúde do Município, Dário Vicente da Silva.

Comentário

Anderson Souza  Presidente da Associação Amazonense de Municípios do Amazonas

‘Dou casa, hospedagem e alimentação’
O governo federal vai abrir 50 mil vagas até o fim do ano para o Mais médicos. Agora o profissional para cada município depende do tanto de Unidades Básicas de Saúde (UBS) eu tenho. Cada uma tem um. Se eu conseguir cadastrar junto do Ministério da Saúde (MS).  Em Rio Preto da Eva, tenho nove equipes médicas, uma em cada UBS. São cinco na área rural e um na área urbana. Elas moram no município. Dou casa, hospedagem, alimentação e recebem o salário. O governo federal está pagando R$ 8 mil, eu completo com mais R$ 7 mil se ele ficar na cidade. Se for para a área rural, eu pago R$ 10 mil para ele ganhar R$ 18 mil, no total. Mas isso é aqui em Rio Preto. Agora você vai lá em Canutama, não tem médico. O prefeito paga R$ 100 mil para um médico. Lá em Tapauá, é R$ 100 mil também. Aqui em Novo Airão, R$ 50 mil para um médico, porque não tem, aí paga pela prefeitura. Lá em Juruá, que não tem médico do governo estadual, o prefeito paga R$ 60 mil para um médico.

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