Theodor Koch-Grünberg chegou ao porto de Manaus em 27 de maio de 1911
(Foto: Divulgação)
No dia 27 de maio de 1911, o etnógrafo alemão Theodor Koch-Grünberg chega ao porto de Manaus. Suas impressões não são favoráveis: a modernização, com seus longos armazéns e pontões nos quais desembarcam com comodidade os passageiros dos transatlânticos, prejudicou o “antes tão encantador panorama da cidade, que se elevava suavemente, cercada de verde fresco”. Inicia então uma série de anotações que apenas terminarão na Venezuela em 1913, e que compõem a obra Do Roraima ao Orinoco: Resultados de uma viagem no Norte do Brasil e na Venezuela nos anos de 1911 a 1913, riquíssimo relato de viagem, em três volumes, cujo primeiro tomo estava esgotado e ganha nova edição pela Editora Unesp, completando a trilogia.
Os textos mergulham pelos rincões profundos da Amazônia, escritos em uma prosa leve, de leitura prazerosa. Há passagens pitorescas: “Mönekaí agarrou um pequeno jacaré vivo. Amarramos uma corda em seu pescoço, e agora ele vira de um lado para o outro, como um mastim mordedor, tentando morder a barriga da perna de qualquer um que ouse se aproximar dele”. Outras dão a dimensão dos perigos da aventura: “o barco grande em que Schmidt viaja se enche de água. Não afundou por um triz. Toda a farinha e o sal, o teodolito e outros instrumentos estariam perdidos”. Sem esquecer o grande incômodo que representam carrapatos, bichos-do-pé, mosquitos, sarna: “muito mais importuno do que cobras e predadores, que sempre aparecem sozinhos e só incomodam se, acidentalmente, entramos em contato com eles, é um exército de inimigos minúsculos dos quais não podemos nos defender”.
O volume I, intitulado Descrição da viagem, inaugura a obra. O autor faz, sobretudo, um levantamento etnográfico e linguístico dos povos indígenas da região, transcrevendo também suas lendas e mitos de origem. O volume traz, ainda, reproduções de fotografias originais do autor, reveladas e ampliadas em plena viagem. O volume II, Mitos e lendas dos índios Taulipáng e Arekuná, traz um precioso registro de mitos e lendas indígenas com base nos relatos colhidos com membros dessas tribos. Ele contou, para essa transcrição, com o auxílio de alguns jovens índios, que narravam e até encenaram algumas das histórias para o pesquisador. Por fim, o volume III, Etnografia, apresenta o relato de Koch-Grünberg sobre o que viveu e aprendeu sobre a cultura material e espiritual de algumas tribos do Norte do Brasil e do Sul da Venezuela, entre o rio Branco e o rio Orinoco. O trabalho de coleta, análise e descrição de objetos e de informações acerca de seu uso deu origem a um precioso acervo etnográfico. Ricamente ilustrado, com 66 pranchas, 16 ilustrações dentro do texto, um mapa e partituras musicais, o tomo fecha com chave de ouro uma obra que transpira a paixão do estudioso diante de um objeto do qual ele tenta dar conta com seriedade e encantamento constantes.
Fora o valor cultural, a obra é de inegável importância científica. Na Alemanha, as expedições de Koch-Grünberg chamaram a atenção de seus conterrâneos e demais europeus para um potencial de expressão estética até então não compreendido. Além, é claro, do valor intrínseco de seus relatos não só para a etnologia, mas também para a geologia, geografia, linguística e antropologia. No Brasil, sua obra contribui ainda para uma nova formação do imaginário nacional, levando Mário de Andrade a descortinar a “essência do brasileiro”, resultando na obra-prima Macunaíma e na ideia de identidade brasileira como parte de um processo de miscigenação.
Sobre o autor
Theodor Koch-Grünberg (Grünberg, 9 de abril de 1872 - Caracaraí, 8 de outubro de 1924) foi um etnologista e explorador alemão que contribuiu de forma indelével ao estudo dos povos indígenas da América do Sul, em particular dos pemon da Venezuela e dos povos indígenas brasileiros da região Amazônica, estudando a mitologia, as lendas, a etnologia, a antropologia e história deles. Suas narrativas dos mitos dos povos indígenas, são referidos por Mário de Andrade na sua obra Macunaíma – o herói sem nenhum caráter, de 1928. Morreu inesperadamente, de malária, durante uma expedição com o pesquisador norte-americano A. Hamilton Rice e o brasileiro Silvino Santos, que procuravam cartografar o Rio Branco.