No Amazonas

Queda de pontes na BR-319 dificulta a vida de mais de 100 mil pessoas

Moradores relatam as dificuldades diárias com o desabastecimento de insumos básicos em decorrência do desabamento da ponte sobre o rio Curuçá e a queda da ponte sobre o rio Autaz Mirim

Lucas Vasconcelos
online@acritica.com
16/10/2022 às 09:44.
Atualizado em 16/10/2022 às 16:08

(Foto: Gilson Mello)

Problemas de mobilidade urbana, aumento de preços e desabastecimento de insumos básicos como alimentos, combustíveis e medicamentos são apenas alguns dos principais desafios enfrentados por mais de 100 mil pessoas que vivem no município Careiro da Várzea (distante 21,6 quilômetros de Manaus).

O que já era difícil ficou ainda pior para os moradores do município que tiveram o acesso à capital amazonense dificultado devido ao desabamento de duas pontes em um período de dez dias na rodovia federal BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (RO).

A equipe de reportagem de A CRÍTICA foi até o local e pode vivenciar as dificuldades que a população enfrenta desde a saída do Porto da Ceasa até o local do desabamento da segunda ponte sobre o rio Autaz Mirim, no Careiro da Várzea.

Acesso limitado

Devido à queda da primeira ponte localizada sob o rio Curuçá que vitimou quatro pessoas e deixou outras 15 feridas no dia 28 de setembro, o acesso via carros e ou veículos de médio e grande porte é bastante limitado.

Para chegar próximo ao local de onde a ponte desabou, é preciso ir de balsa no porto da Ceasa. Porém as viagens foram reduzidas em apenas duas por dia - uma às 8h e outra às 20h - devido não ser viável prosseguir a estrada com as pontes interditadas.

Transporte com altos valores 

O acesso mais fácil é via lancha, pagando o valor único de R$ 13, a ida. Chegando lá, é preciso pegar um táxi no valor de R$ 40 para chegar próximo à ponte sob o rio Curuçá. Após isso, há duas lanchas cedidas pelo Defesa Civil do Estado do Amazonas que leva até 14 pessoas por vez para outro lado da ponte. Esse serviço é gratuito e funciona de 8h às 18h. Após esse horário, só é possível realizar o trajeto de travessia por lanchas particulares.

Feito a travessia sobre o rio Curuçá, para chegar até o local da segunda ponte que desabou, é preciso desembolsar mais R$ 15 de táxi. Chegando ao local, também há duas lanchas da Defesa Civil que transportam a população para o outro lado do rio Autaz Mirim de forma gratuita.

De Coari para o Careiro da Varzea

Durante o trajeto, a equipe de reportagem conheceu a amazonense Martha Guimarães de 34 anos, que veio de Coari até o Careiro da Várzea para encontrar sua família que mora em uma comunidade localizada no km 42 do município. Nesse trajeto, só de ida, Martha disse que gastou em transporte R$ 300.

Martha Guimarães saiu de Coari (AM) para encontrar a filha, que está doente e mora numa comunidade no km 42 do município de Careiro da Várzea (AM) (Foto: Gilson Mello)

“Eu vim lá de Coari, paguei passagem de ônibus pra descer na rodoviária. Depois peguei um carro para vir até o porto da Ceasa, dai tive que pagar lancha pra atravessar, peguei um táxi pra ir pra primeira ponte, atravessei o rio pela lancha da Defesa Civil, paguei outro táxi pra chegar na segunda ponte, atravessei o segundo rio pela lancha da Defesa Civil, e agora estou no ônibus para ir até a minha filha que mora passando a terceira ponte no rio Araçá”, descreveu a amazonense.

Falta de assistência médica

 Martha Guimarães destacou ainda que o motivo de estar indo até sua família no Careiro é por conta da falta de assistência à saúde que a população vem enfrentando.

De acordo com ela, sua filha, que sofreu um acidente em 2019 e precisa de acompanhamento médico frequente, não está recebendo mais atendimento domiciliar. A queda das duas pontes dificultou inclusive a continuidade de seu tratamento.

“Tá muito difícil a situação. Ela tem uma deficiência, ela sofreu acidente de moto e não tem um pedaço do crânio e ela precisa de um cuidado mais especial e não tem aqui. E desde lá ela não consegue. Estou indo lá buscar porque ela tem uma filha de 3 anos e ela não tá com condições de cuidar da filha. E agora tá difícil. Até os médicos não estão vindo mais para cá. Não dá mais para ficar assim”, comentou Martha.

Sons da tragédia

Ao chegar na segunda ponte, localizada sobre o rio Autaz Mirim, a equipe de reportagem também conheceu Célia Maria Leitão, dona de um restaurante e moradora há 28 anos no local próximo ao acidente.

Ela relembrou o trágico dia do desabamento da primeira ponte e como a população local se mobilizou para ajudar os feridos.

“Quando caiu a primeira ponte, nós fomos socorrer as pessoas, carregava bolsas das pessoas. Ajudei muito, fomos dar apoio de água, merenda. Acho que era umas 8h25 quando aconteceu. Vinham muitas mulheres que estavam operadas da maternidade. Demos esse apoio. Ajudei uma senhora que levaram o rancho dela. Acho isso uma falta de respeito. Isso poderia ter acontecido comigo ou qualquer outro parente” .

A dona do restaurante que fica bem próximo à segunda ponte que desabou também contou sobre o medo que sente ao morar no local do acidente.

“Quando caiu a segunda ponte fiquei com bastante medo, será que vai cair minha casa? Eu senti impacto muito forte. Toda noite essa ponte estala. É como se eu tivesse ouvindo um barulho de uma panela. Eu creio é que é o outro pedaço que caiu de lá e o outro que está encostado embaixo. A estrutura de cima tá querendo desabar. E se cair do jeito que estou pensando, vai ser muito feio. Principalmente por ter um flutante logo embaixo”, contou a moradora.

Gastos dobraram

Célia Leitão trabalha fornecendo refeições para a população. Ela conta que após a queda das duas pontes tem sido cada vez mais difícil obter lucro em suas vendas.

Segundo a dona do restaurante, os gastos dobraram devido a dificuldade de obter os alimentos.

Célia Maria Leitão é dona de um restaurante numa área próximo ao desabamento da ponte sobre o rio Curuçá. Ela ajudou várias vítimas do acidente, dando alimento e água (Foto: Gilson Mello)

 O alimento é uma das principais dificuldades. O prato de comida, peixe com arroz e feijão é R$ 12, a carne é R$ 15. Comprei R$ 100 de carne e vem um pedaço deste tamanho (sic). Não dá nada. Toda vez aumenta. É muito caro. Gastávamos R$ 400 na média. Hoje fiz um rancho de R$ 820, mais que o dobro. O frango aqui custa R$ 42. E tudo isso não chega a durar um mês”, destacou Leitão.

Outro item essencial, conforme Célia, é a água. Após os acidente, o valor dão garrafão de água que custava R$ 9 passou a custar R$ 15, o balde. Esses valores, inclusive, não incluem o transporte.

Terceira ponte

Para os munícipes que moram próximo à ponte sobre o rio Araçá, no Careiro, relatam que também estão sendo impactados pelo queda das duas pontes.

Segundo o presidente do Sindicato de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Município Careiro da Várzea (Sindipesca Careiro-AM), David Uchoa, tem sido desafiador morar na região.

Presidente do Sindicato de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Município Careiro da Várzea, David Uchoa disse os pescadores iam quase todos os dias para Manaus. Devido ao problema, passaram a ir pelo menos uma vez, elevando o preço do pescado (Foto: Gilson Mello)

 “Íamos quase todos os dias para Manaus. Agora com esse problema, passamos a ir pelo menos uma vez na semana. Depois do que aconteceu ficou bem pior. Os pescadores reclamam muito porque aumentou tudo. Com essa tragédia aqui para região aumentou mais ainda. Os comerciantes são obrigados a aumentar os preços das coisas. Devido a dificuldade de pegar os alimentos ali na balsa. As despesas aumentam e isso vai cair no bolso do consumidor. Acho que só nesse período aumentou 20%”, contou o presidente do Sindipesca.

Uchoa relatou que as autoridades devem fiscalizar as demais pontes da rodovia pois elas foram construídas para receber até um limite de peso. E que, para evitar futuras tragédias, devem ser feitas manutenções periódicas.

“As pontes foram construídas para uma quantidade de peso de até 12 toneladas, agora passa uma carreta de 20, 22 toneladas só em uma carreta. A estrada que vai daqui do Araçá até o Gutierrez é toda feita por aterro. Por isso que ela só vive quebrando. Isso tudo era igapó. A ponte tem que ser fiscalizada e acompanhada de vez em quando. Pelo menos de 2 em 2 anos para não acontecer uma tragédia, aqui tem um monte de casa próximo. Tendo esse cuidado de estar vendo como é que está. Dificilmente acontecerá uma tragédia”, relatou Uchoa.

Desabastecimento de insumos

Para o dono do mercadinho, Walquimar Lima, os dias também têm sido desafiadores. O empreendedor contou que precisa desembolsar até R$ 1 mil para conseguir transportar mercadorias da capital até seu empreendimento localizado embaixo da ponte no rio Araçá.

Walquimar Lima é dono de um mercadinho e, após a queda da ponte, precisa pagar até R$ 1 mil para conseguir transportar mercadorias até seu empreendimento, nas proximidades do rio Araçá (Foto: Gilson Mello)

 "Antes era tranquilo, ia e voltava no mesmo dia, comprava as coisas com facilidade. Agora, não. Essa semana fui em Manaus, saí daqui segunda-feira e fui voltar na quarta de madrugada. Sem contar na logística que ficou difícil e o preço também. Antes pagava R$ 180 de balsa. Agora estou pagando R$ 1 mil para atravessar. O trajeto durava 1h ou 1h30. Agora são 5h de travessia", pontuou o empreendedor.

Walquimar Lima contou também que está fazendo grandes esforços para não deixar a população desabastecida. 

"Os itens que aumentaram foram os que precisei pegar em outros municípios. Por exemplo, fiz algumas compras em Autazes, paguei mais caro do que pago em Manaus, só para não faltar os itens aqui. Itens como margarina, arroz e feijão, por exemplo. O que diminuiu foi o lucro. Passei a pagar mais caro, perdi um lucro de quase 100%", contou Lima.

E por conta disso, quase não tem tido lucro em suas vendas. "Se a gente não fizer um esforço para comprar, a população vai ficar sem alimento. Temos que nos sacrificar um pouco para ajudar a comunidade. Nessa hora ninguém tá pensando em lucro, estamos pensando em abastecer para não deixar faltar", acrescentou o dono do mercadinho.

Operação de balsas

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) informou, na última quinta-feira (13), que os serviços necessários para a retomada da trafegabilidade na BR-319 já estão avançados.

"Os acessos nas margens do rio Curuçá estão concluídos, possibilitando a operação das balsas. Durante o feriado de quarta-feira (12), equipes da autarquia estavam mobilizadas para concluir o quanto antes os serviços necessários para a passagem seca no rio Autaz-Mirim", informou em nota.

O Dnit informou também que a passagem - que terá 30 metros de extensão - está com os serviços acelerados para que seja iniciada a implantação do sistema de drenagem. 

A equipe de reportagem questionou o Dnit sobre o prazo de conclusão dessas obras e como está o andamento para a retirada dos destroços das pontes caídas e a reconstrução de cada uma delas. Até o fechamento desta matéria ainda não obteve retorno e será atualizada quando chegar.

A reportagem procurou também a prefeitura de Careiro da Várzea para ouvir sobre que ações os órgãos municipais estão tomando para evitar o desabastecimento de insumos e assistência de saúde que a população do município vem relatando e ainda aguarda o posicionamento.

(Foto: Gilson Mello)

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