Tecnologia

Starlink muda hábitos em aldeias do Rio Negro

Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro tem feito instalações da internet via satélite em comunidades da região

Waldick Junior
02/09/2023 às 08:58.
Atualizado em 02/09/2023 às 08:58

(Foto: Divulgação)

A chegada da internet via satélite Starlink em aldeias indígenas de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus) já tem provocado mudanças sociais entre os indígenas. Cursos on-line, monitoramento do território via grupo de WhatsApp e até uso do PIX têm ganhado espaço. Por outro lado, já há registros de golpes financeiros e proliferação de notícias falsas via internet.

Professor de ciências exatas em uma escola de ensino médio na aldeia Canadá, em São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus), Dzoodzo Baniwa sempre viu a escola como um espaço de fortalecimento da luta pelos direitos indígenas. Foi isso o que lhe motivou a criar, junto com alunos, o blog ‘Eeeno Hiepole’, um site para que os estudantes escrevessem sobre os acontecimentos da aldeia e entorno, desde conquistas a problemas sociais.

O blog nasceu em outubro de 2021, pouco mais de um ano após a aldeia ter acesso pela primeira vez à internet. A antena era de uma provedora privada de internet, custeada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). O valor chegava a cerca de R$ 1,9 mil mensais, muito caro para qualquer um, mas especialmente para a realidade daquele território.

 Novo acesso

 Na última terça-feira (29), essa internet cara foi finalmente substituída por uma nova tecnologia que tem chegado a outras aldeias da região. A internet via satélite Starlink, que possui rápida conexão e consegue abranger áreas consideradas ‘remotas’. Mais uma vez, a chegada desse sistema na comunidade indígena só foi possível porque a Foirn custeou o produto por meio de parceiros.

“Nós não temos uma periodicidade  no blog, mas acho que agora com a Starlink nós vamos publicar mais, porque através desse projeto do Território Comunicativo, nosso objetivo é a apropriação das ferramentas digitais de comunicação pelos jovens Baniwa”, comenta.

 Mudanças

 Além de professor, Dzoodzo é titular da Coordenadoria do Povo Baniwa e Koripako (Nadzoeri), organização que representa o território desses povos indígenas na bacia do Rio Içana, em São Gabriel da Cachoeira. São 85 aldeias que abrigam cerca de seis mil pessoas. No local, já foram instalados 13 pontos de internet, sendo só três na semana passada.

As mudanças são consideradas importantes especialmente na educação, como é o caso do irmão de Dzoodzo, que está cursando licenciatura em Física à distância por uma instituição privada. “Se não tivesse internet, ele não conseguiria fazer essa formação. Só que agora ele faz  na  aldeia, vivendo a aldeia, levando a sua vida, pescando, indo à roça”, afirma ele.

Outro problema que vem sendo vencido parcialmente pela internet é o das distâncias. Da aldeia até a sede de São Gabriel da Cachoeira, são de três a quatro dias de viagem com motor rabeta, o mais comum na região. Já a volta pode durar até sete dias. O percurso não sai por menos de R$ 800 em gasolina. 

A viagem é feita com frequência por indígenas que precisam ir à cidade sacar benefícios sociais, geralmente em condições insalubres, como mostrou outra reportagem de A CRÍTICA. Porém, com a chegada da internet, há uma pequena redução do problema. 

“A gente fala com eles e sugere consultar pela internet se o benefício já caiu. Eu fiz isso com meus pais, que recebem aposentadoria. Comprei um telefone para cada um deles, daí fomos juntos na agência, nos cadastramos e agora a gente monitora daqui da aldeia”, conta Dzoodzo.

 ‘Tem PIX?’

 Na comunidade Santa Isabel, onde ele mora, a sua esposa possui um pequeno comércio. Além de aceitar PIX, acontece também de indígenas pedirem para fazer saques com a ajuda dela. “Como ela recebe dinheiro em espécie também, às vezes chega um parente, pede para fazer um saque e aí passa o PIX para a conta dela”, relata.

Outro uso encontrado pelos indígenas da região é a utilização da internet para monitorar o território. Tudo acontece pelo WhatsApp, ou, como eles chamam “KoanthApp”. A palavra é a maneira como eles traduzem para a língua indígena o nome do aplicativo, que faz alusão à gíria inglês ‘What’s Up’, que significa “e aí?” em português. 

“A gente tem um grupo no KoanthApp em que colocamos as comunidades com acesso à internet. E aí compartilhamos informações sobre o que está ocorrendo no território. Já aconteceu de não indígenas tentarem entrar na nossa terra, só que de imediato a gente ficou sabendo pelo grupo e avisou o Exército, que atua na região”, conta Dzoodzo.

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