Crítica

Valois critica 'PEC das Drogas' apresentada no Senado: ‘vai tornar crime o cigarro’

Juiz afirmou que a proposta é cheia de absurdos e afirmou que atinge principalmente pessoas pobres

Lucas dos Santos
14/03/2024 às 13:05.
Atualizado em 14/03/2024 às 13:05

(Foto: Divulgação)

O juiz Luís Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais da Comarca de Manaus, criticou a redação do projeto de emenda à Constituição 45/2023, conhecido como PEC das Drogas. O magistrado destacou que a proposta, da forma como está, criminaliza até mesmo “o chopp no barzinho” e explicou que a Lei de Drogas aprovada em 2006 não é uma lei criminal como qualquer outra. 

A legislação torna crime o porte e a posse de drogas ilícitas, mas deixa para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidir quais entorpecentes são lícitos ou não.

“No Direito Penal, isso se chama Lei Penal em Branco. As drogas estabelecidas pela legislação sanitária, o porte delas será considerado crime. Aí a Anvisa vem e diz quais são as drogas proibidas”, disse.

A proposta do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal, inclui no artigo 5º da Constituição Federal um inciso que considera crime “a posse e o porte, independentemente de quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. 

Uma emenda de autoria do senador Rogério Marinho (PL-RN) foi incluída no projeto para se observasse “a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”. Contudo, o senador não estabelece critérios objetivos para diferenciar usuário de traficante.

O juiz Valois ressaltou que a PEC, da forma como foi escrita, torna crimes todas as drogas, incluindo as lícitas como tabaco, álcool e medicamentos.

“Isso é impressionante, porque imagine: vai tornar crime o cigarro, a farmácia inteira? Rivotril, ritalina, chopp... Essa é uma norma totalmente absurda, totalmente sem noção. Como que uma norma da Constituição vai dizer é crime a posse de todos os entorpecentes e drogas afins? Quer dizer, ele [o autor da proposta] não sabe o que são entorpecentes e drogas, porque tudo que tem na farmácia é droga”, disse.

 Reação ao STF

 O juiz classificou a apresentação da proposta como “óbvio revanchismo” ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que busca definir a quantidade de maconha que classificaria o porte ou o tráfico de drogas.

“Eu acho que essa PEC, mesmo que passe, a interpretação judicial é muito ampla e pode ser considerada até inaplicável por criminalizar todas as drogas. Na prática, não muda em muita coisa na decisão do Supremo Tribunal Federal, até porque na própria PEC está dizendo ‘sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar’. Quer dizer, na medida em que permite a autorização, o STF pode autorizar a posse ou porte de determinada quantidade, criar uma súmula nisso, e vai dar no mesmo”, afirmou.

Valois afirma que a PEC é muito mais política do que jurídica e abarca mais questões morais e “de preconceito e falta de leitura”.

“Há várias pesquisas, livros, teses de doutorado falando o quanto que a política de drogas e encarceramento, juntos, não deu certo”, concluiu.

Em suas redes sociais, o juiz reiterou o posicionamento dado em entrevista à reportagem da A CRÍTICA, relembrando ainda que a maioria dos usuários presos no Brasil são “os pobres, pretos e periféricos”.

“Sabemos que há uma indústria de encarceramento, mas o que queria dizer nesse post é que a ânsia por direito penal é tão grande que fazem uma PEC mal escrita, absurda, sem técnica nenhuma”, lamentou. 

 O que a lei especifica

 A lei 11.343/2006 considera como drogas “as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Como destacado pelo juiz Valois, a norma não especifica quais seriam essas drogas, tomando como base a portaria 344 de 12 de maio de 1998 da Anvisa, a qual estabelece as substâncias abrangidas pela lei.

O advogado criminal Pedro Magalhães Ganem, em artigo publicado na imprensa, destacou que a portaria diferencia drogas, entorpecentes e psicotrópicos da seguinte forma: as drogas são substâncias ou matérias-primas que tenham finalidade medicamentosa ou sanitária, enquanto os entorpecentes e os psicotrópicos são sustâncias que podem causar dependência física ou psíquica.

Na portaria, são descritas como proscritas – banidas ou proibidas – plantas e substâncias utilizadas na fabricação de maconha, skunk, crack e outras drogas amplamente comercializadas pelo tráfico no Brasil.

 Proposta avança

 Nessa quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou a PEC 45-2023, acatando o relatório favorável do senador Efraim Filho (União-PB). O texto irá ao plenário na próxima semana.

Efraim considerou que a PEC explicita aquilo que já está implícito na Constituição, que considera tráfico de drogas como crime hediondo. Ele afirmou ainda que a sociedade sofrerá consequências na saúde e na segurança pública caso o STF considere inconstitucional trecho da Lei de Drogas que criminaliza o porte e a posse de drogas para consumo pessoal, embora o julgamento não tenha essa finalidade.

“É inquestionável que liberar as drogas leva a um aumento do consumo. O aumento do consumo leva à explosão da dependência química… A descriminalização leva à liberação do consumo, mas a droga continua ilícita. Você não vai encontrar ela em mercado, você não vai encontrar ela em farmácia. Só existe o tráfico para poder adquirir. Portanto, descriminalizar é fortalecer o tráfico”, disse à Agência Senado.

A votação ocorre durante um impasse do Congresso Nacional com o STF relacionado à questão. Dos onze ministros, cinco já votaram pela inconstitucionalidade de enquadrar como crime unicamente o porte de maconha para uso pessoal, prevalecendo por enquanto o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, o qual defendeu a polícia deverá presumir como usuários pessoas flagradas com 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis.

Membros da comissão, os senadores amazonenses Eduardo Braga (MDB) e Plínio Valério (PSDB) votaram a favor da PEC. Embora a votação tenha sido simbólica – sem registro obrigatório no painel – os representantes anunciaram sua posição nas redes sociais.

Em postagem, Braga afirmou que o país precisa de políticas públicas voltadas para o assunto, “as tudo deve ser feito de forma correta e com transparência, sob pena de estarmos avalizando a lavagem de dinheiro criminoso oriundo das drogas e de facções criminosas, a partir de uma janela que descriminalizaria a posse e o porte da maconha”.

O senador Plínio Valério, por sua vez, disse que é contra a posse e o porte de drogas em qualquer circunstância e independentemente da quantidade.

“Faço essa afirmação em nome dos brasileiros, especialmente dos amazonenses, que depositaram sua confiança em mim por meio do voto para fazer o que é correto”, disse.

 Vício constitucional

 Contrários à PEC, os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Fabiano Contarato (PT-ES) afirmaram que a discussão no Supremo Tribunal Federal tem respaldo legal e que a Corte foi provocada a tratar de uma questão que tem natureza constitucional.

“[O STF tem] o poder de invalidar qualquer lei que foi eivada pelo vício da inconstitucionalidade. A segunda função, ele tem que dizer o direito quando nós nos acovardamos, porque esses direitos já estão na nossa Constituição. E o terceiro papel é de empurrar a história para o rumo certo. Isso aconteceu com o [julgamento favorável ao] casamento de pessoas do mesmo sexo”, disse Contarato.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), que já ocupou o cargo de ministro da Saúde durante o governo de Dilma Rousseff (PT), considerou que o STF não invadiu nenhuma competência do Congresso Nacional. Na avaliação dele, os cidadãos deveriam ter o direito de fazer uso recreativo da maconha se estiverem “na sua privacidade” e sem ofender a saúde pública.

Os três senadores votaram contra a PEC na CCJ, juntamente com o líder do governo Lula no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

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