PREVENÇÃO E ALERTA

Do isolamento ao preconceito contra Hanseniase: relembre a criação e o fim dos leprosários em Manaus

Na época conhecida como "Lepra", o crescimento do casos da doença ocorreu no fim do século 19, fazendo com que o Poder Público isolasse as pessoas que possuiam a doença

Karol Rocha
online@acritica.com
28/01/2023 às 09:20.
Atualizado em 28/01/2023 às 11:12

Um dos pavilhões do leprosário em Paricatuba (Fonte: Fonte: Sociedade Amazonense de Proteção aos Lázaros. Um ano de trabalho patriótico. 1932. p. 13.)

O Amazonas já viveu tempos obscuros na saúde como o início da endemia de hanseníase, antes conhecida como "lepra" ou "mal de Lázaro" no século 19, durante a exploração da borracha no Estado. Neste mês de janeiro dedicado a prevenção e alerta contra a doença, relembre o surgimento e o fim dos leprosários de Manaus. 

A mestre em História Social, Adriana Brito Barata Cabral, que estuda o tema desde 2007, conta que com a crise da borracha, trabalhadores os quais viviam em seringais no interior do Estado se mudavam para Manaus portando a doença. Os portadores de hanseníase eram isolados e tinham como o primeiro lugar de isolamento uma instituição chamada Umirisal, em 1908, a qual acolhia pacientes de varíola. Na cabana, os doentes eram atendidos pelo médico especialista em Medicina Profilática e em Dermatologia, dr. Alfredo da Matta. 

Dr. Alfredo da Matta (Foto: Arquivo/Fuham)

"O isolamento do Umirisal era umas cabanas feitas de madeira, de barro batido e coberto de palha, situado onde hoje fica a Ponta do Ismael. Quando o dr. Alfredo da Matta se tornou o diretor do Serviço de Higiene do Estado, ele pega uma pequena parte do Umirizal e a transforma em um isolamento para os casos de hanseníase, que eram poucos, segundo ele", explica Cabral. 

Anos depois, com a crise do ciclo da borracha na década de 1910, Manaus viu o aumento de casos de lepra, período em que o poder público começa a avaliar a construção de um novo local para o isolamento dos doentes. 

"Como o Umirisal ficava próximo ao abastecimento de água da cidade, a população que morava no bairro São Raimundo começava a falar para o Governo que eles não queriam mais aquelas pessoas ali pelo medo da contaminação da água. Isso fez com que influenciasse médicos a pensarem estratégias para um novo local de isolamento". 

Leprosário de Paricatuba: 'Vila Belisário Penna'

Um dos pavilhões do leprosário em Paricatuba (Fonte: Fonte: Sociedade Amazonense de Proteção aos Lázaros. Um ano de trabalho patriótico. 1932. p. 13.)

Quem inicia as conversas com o Governo do Amazonas para a mudança de isolamento é o diretor do Serviço de Profilaxia e Saneamento Rural no Amazonas, dr. Samuel Uchôa, na década de 1920. A época foi marcada pelo início dos trabalhos da Saúde Pública e do Serviço de Profilaxia Rural do Amazonas. 

Por conta disso, o Umirisal funcionou até 1930, quando se construiu o primeiro leprosário de Manaus, situado em Paricatuba, hoje no município de Iranduba, é chamado oficialmente de 'Vila Belisário Penna'. Ela é, então, inaugurada em janeiro de 1931. 

"Todos os doentes do Umirizal são transferidos para a leprosaria e aí é extinto de vez o isolamento da Ponta do Ismael. O próprio dr. Samuel Uchôa, dr. Alfredo da Matta, se referiam que aquela primeira leprosaria, sim, tinha estruturas modernas. E por que se pensar em um prédio longe da cidade?. Exatamente porque eles tinham medo do risco de contaminação". 

De acordo com a historiadora, a estrutura era referência daquela época e para se ter ideia, pacientes de outras localidades eram atendidos no espaço. Não demorou muito para a Vila Belisário Penna atender dezenas de doentes. 

"A leprosaria de Paricatuba logo se torna superlotada porque ela atendia não só os doentes da cidade. Logo de cara, a estrutura atendia 75 pessoas que estavam no isolamento do Umirisal. Nas estatísticas desse período, eles diziam que existiam mais de 1,5 mil doentes, mas eles não contavam com a vinda de pessoas da Colômbia, Venezuela e outras regiões próximas", afirma Adriana Cabral, que acrescenta que todas as informações estão contidas em literaturas de Alfredo da Matta.  

O grupo de mulheres chamadas de as Damas Protetoras do Leprosário também tiveram papel importante na história da construção do hospital de Paricatuba, porque elas se reuniam para recolher doações para suprir o custo das despesas dos serviços da reforma. Em fevereiro de 1932, esse grupo de mulheres tornou-se Sociedade Amazonense de Proteção aos Lázaros. A leprosaria de Paricatuba funcionou até o fim da década de 1960, quando o Governo do Estado, na época, determinou que a nova leprosaria de Manaus fosse a Colônia Antônio Aleixo, que existia já nos anos 40. A superlotação em Paricatuba foi um dos determinantes para a mudança. 

Ruinas do antigo leprosário de Paricatuba (Foto: Arquivos/FUHAM)

O leprosário da Colônia Antônio Aleixo

Segundo a historiadora, a dificuldade de logística no envio de alimentos e remédios à Paricatuba era um outro problema visto pelo poder público naquela época. "Era muito custoso para o Estado fazer várias viagens e já começa a se pensar em construir uma leprosaria no território de Manaus, onde não houvesse um rio separando". 

A Colônia Antônio Aleixo chamou atenção pelos grandes terrenos, por ser isolado da cidade de Manaus, e a possibilidade de cultivo de alimentos. "Em fevereiro de 1942, o leprosário foi inaugurado oficialmente. Ela vai ter logo de início também pessoas diagnosticadas que foram isoladas lá. A leprosaria da Colônia Antônio Aleixo tinha casas geminadas para doentes casados, solteiros, e tinham pavilhões masculinos e femininos.  Tinha a casa das irmãs franciscanas, o refeitório, e até hoje existem algumas casas ainda habitadas pela população remascente", detalhou ela. 

A desativação aconteceu em 1979, após diversas discussões entre médicos, Governo do Amazonas, e o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Mohan). Com a desativação do Hospital-Colônia Antônio Aleixo e a transferência das Irmãs Franciscanas de Maria e demais especialistas da Colônia para o Dispensário Alfredo da Matta, localizado no bairro da Cachoeirinha, o controle da hanseníase no Amazonas tomou outro rumo. 

Assim, em 1979, o trabalho ambulatorial do dispensário se intensificou, ampliando suas atividades, de modo que em 1982, por meio do Decreto n.º 6.808, de 24.11.1982, o Dispensário passou a ser o Centro de Dermatologia Tropical e Venereologia “Alfredo da Matta”, com assistência às doenças dermatológicas, principalmente Leishmaniose, Hanseníase e atendimento ambulatorial às DSTs e assumindo a coordenação do Programa de Dermatologia Sanitária do Amazonas.

A separação da família pela doença

Um dos episódios mais tristes da época foi a separação entre pais e filhos. Por volta dos anos 1940, a luta contra a Hanseníase no Brasil era embasada na tríade composta pelas instituições: Dispensário, Leprosário e Preventório. Uma das premissas era a retirada dos filhos da tutela dos pais que se encontravam doentes. Os pequenos ficavam sob tutela do Estado até a maioridade. 

"A partir dos anos 40, a gente vai ver essa retirada de crianças das mães com hanseníase. Quando a mãe dava à luz, seu filho era retirado, era batizado e enviado para o preventório. A gente vai ver, em 1942, a criação do educandário Gustavo Capanema que era o nosso preventório. Essa política só será efetivada no governo Varguista", contou a historiadora. 

Até hoje, dezenas de famílias são marcadas pela separação devido a hanseníase. Algumas dessas mães jamais reencontram seus filhos. "Quando a gente conversa através da história oral com a população, vemos que isso marcou muito as pessoas. Era uma política de estado que havia a separação da criança pelo medo da contaminação pelos pais e isso existiu até a desativação do leprosário". 

Uma das pessoas que viveu essa separação e conta histórias até hoje é o técnico em Órteses e Próteses, Mario Miranda Campos, 75 anos. Ele, quando criança, foi separado da irmã mais nova por conta da doença. No Hospital Colônia Antônio Aleixo, na década de 50, ele se tratou junto com a mãe e a irmã mais velha, mas lá ficaram. Nos dias atuais, ele ainda vive no bairro, situado na zona Leste da capital amazonense. 

"No ano de 1957, a minha irmã mais nova, de 6 anos de idade, que não tinha hanseníase foi levada para o educandário Gustavo Capanema. A gente ficou sem contato com ela e depois de 10 ou 15 anos, eu a encontrei já morando em uma casa de família. Ela não lembrava de mim, mas conversando, nós chegamos a conclusão de que éramos irmãos. E hoje, nós temos contato". 

Na época em que morou no Hospital, Mário Miranda Campos aprendeu várias profissões como sapateiro, pedreiro e chegou a ajudar no curativo de doentes da Colônia Antônio Aleixo. A lembrança o toca bastante e conta que aquela época, apesar de sofrida, serviu como lição que levará por toda a vida. 

"Eu fui pedreiro, motorista, fotógrafo, sapateiro e inclusive as freiras começaram a nos ensinar a fazer curativos, aplicar injeção nos doentes.  Eu digo que fui uma pessoa muito abençoada. Sem conhecimento de nada, consegui conhecer, com a benção de Deus, várias profissões e tive a oportunidade de sair de Manaus e me formar em São Paulo em técnico em Órteses e Próteses. Consegui coisas que jamais pensei que conseguiria", afirmou Mário Campos. 

Casos de Hanseníase no Amazonas em 2022

De acordo com a Fundação Hospitalar Alfredo da Matta (Fuham), em 2022, foram detectados no Estado do Amazonas 338 casos novos de Hanseníase. Do total de casos novos, 113 (33,4%) eram residentes de Manaus e 225 (66,6%) residentes em outros 47 municípios. Na faixa etária de maiores de 15 anos foram detectados 302 (89,3%) casos e 36 em menores de 15 anos (10,7%). 

Com relação a Classificação Operacional, foram diagnosticados 271 (80,2%) Multibacilares e 67 (19,8%) Paucibacilares. Atualmente, existem 515 pessoas em tratamento para Hanseníase em todo o estado, sendo 167 (32,4%) em Manaus e 348 (67,6%) no interior. Destes 471 (91,3%) são maiores de 15 anos e 45 (8,7) são menores de 15 anos de idade.

A hanseníase é uma doença crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que pode afetar qualquer pessoa. Caracteriza-se por alteração, diminuição ou perda da sensibilidade térmica, dolorosa, tátil e força muscular, principalmente em mãos, braços, pés, pernas e olhos e pode gerar incapacidades permanentes. Conforme os médicos, diagnosticar cedo é o elemento mais importante para evitar transmissão, complicações e deficiências.  

"Encontrou uma área adormecida, uma mancha dormente no corpo, é importante que busque imediatamente o atendimento clínico. O tratamento é oral, com duração de seis meses ou um ano. É importante destacar que no primeiro mês de tratamento, a gente já consegue eliminar o bacilo do corpo", pontuou o médico dermatologista e diretor técnico da FUHAM, dr. Renato Cândido.

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