OPINIÃO

Protagonismo indígena e amazônico na COP28

Participação dos povos indígenas tem sido relegada ao campo do ativismo, em atividades paralelas à programação oficial

Por Rosa dos Anjos e Suzy de Souza*
06/12/2023 às 10:37.
Atualizado em 06/12/2023 às 12:03

Ativistas do clima fazem manifestação na entrada da COP28, em Dubai (Jewel Samad / AFP)

Destacar a voz indígena em espaços de discussões e de decisões com importância global como a COP ainda tem sido um desafio. Ao longo dos quase 30 anos de existência da Conferência das Partes, os povos originários têm buscado aumentar a sua participação de forma organizada e qualificar seus discursos para defender posicionamentos em defesa de uma vida harmônica e respeitosa no planeta.

Contudo, essa iniciativa para convencer líderes mundiais de que o modo de vida dos povos originários deve ser considerado como uma estratégia eficaz de enfrentamento da crise climática não encontrou a ressonância devida dentre aqueles que têem o poder de decisão na condução do processo. 

A participação dos povos indígenas nestes espaços tem sido relegada ao campo do ativismo através de incidências que ocorrem paralelamente à programação oficial da Conferência e visam alertar sobre práticas nocivas à salubridade planetária com o objetivo único de atender aos interesses capitalistas em detrimento do equilíbrio ambiental.

Essa incidência precisa sair do campo periférico e passar a compor a programação oficial da Conferência das Partes. O governo brasileiro deve considerar a participação efetiva dos povos indígenas nesses espaços oficiais de decisão como posicionamento de Estado no enfrentamento à crise climática.

Os líderes mundiais precisam ouvir sobre a relação ancestral dos povos originários do Brasil, da Amazônia e do mundo para refletirem sobre políticas econômicas viáveis e harmônicas com os recursos ambientais que considerem a sociobiodiversidade dos territórios indígenas. 

A governança socioambiental dos territórios amazônicos precisa ser tratada como política de Estado que considere que as práticas ancestrais dos povos originárias garantem uma relação saudável e de respeito com a terra, e isso se reflete quando os satélites identificam os territórios indígenas onde há maior preservação da cobertura florestal. Os povos originários contribuem para a manutenção da Amazônia.

A cada ano, os encaminhamentos produzidos nos grandes espaços de discussões pelos representantes dos países que discutem o destino do planeta têm se demonstrado pouco eficazes. Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris e outras pactuações para frear a crise climática, embora aparentem boa intencionalidade, não garantem efetividade prática pelos países compromissados. O esgotamento desenfreado e irracional dos recursos naturais sem considerar o impacto no equilíbrio do planeta permanece em nome de uma (in)justificável ambição econômica.

No Brasil, em meio à constante luta pela garantia e proteção dos seus territórios, os povos indígenas buscam disseminar em suas aldeias e comunidades informações para a compreensão de uma política internacional que visa a redução das emissões de gases por desmatamento e degradação florestal provocados por empreendimentos que impactam as vidas nos territórios. A Cúpula da Amazônia realizada neste ano, em Belém/PA, se apresentou como uma oportunidade de promover o protagonismo indígena ao ouvir os povos da Amazônia para fundamentar um posicionamento político do governo brasileiro na COP28.

Em coerência à sua missão institucional, a FAS tem destinado à pauta indígena a importância devida reforçando que é impossível falar de Amazônia sem considerar os povos indígenas e, neste sentido, busca fortalecer a sua Agenda Indígena. Há o empenho em investir na qualificação das discussões sobre as políticas de enfrentamento à crise climática nivelando conceitos e acesso às políticas em conjunto com os demais parceiros que atuam na Amazônia para construir estratégias de enfrentamento, defesa e resiliência, além de ocupar importantes espaços de discussão de repercussão nacional e internacional visando contribuir com a elaboração de políticas estruturantes e inclusivas.

Entretanto, é possível que não haja mais tempo, que já se tenha atingido o ponto sem volta, por isso se faz imperativo o realinhamento da rota no trato com a Mãe Terra e a ancestralidade dos povos originários deve ser considerada, os conhecimentos tradicionais na relação de respeito com a natureza é um caminho para frear o avanço da crise climática. 

O mundo pode aprender que os povos originários mantêm com o planeta terra uma relação de ancestralidade, de respeito. O território não é um bem comercial para auferir lucros e gerar guerras, o território é parte da existência indígena, sem território livre, sadio, não há vida. As matas, os rios, os bichos, as pessoas estão no mesmo nível de importância, essa relação garante no bem-viver dos povos. Respeitamos o planeta como a nossa mãe, a Mãe Terra.  

 Sobre as autoras: 

* Rosa dos Anjos é indígena do povo Mura e possui longa trajetória em gerenciamento de projetos pela melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas no estado do Amazonas. Atualmente é supervisora da Agenda Indígena da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), agenda que busca fortalecer identidade, proteção territorial, sustentabilidade e bem viver dos territórios e povos indígenas amazônicos.

* Suzy Evelyn de Souza e Silva é amazônida do Rio Negro, advogada, mestranda em Antropologia Social - PPGAS/UFAM, cofundadora do Instituto Amazônia Açu - IAÇU e consultora da Agenda Indígena da FAS.

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