Para A CRÍTICA, Ministério Público Federal disse que já estuda providências
Sérgio Freitas Mura, tuxaua da aldeia Soares, território que está tendo pedido de demarcação avaliado pela Funai após 20 anos da solicitação feita pelos indígenas (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real)
Aldeias do povo Mura em Autazes e Careiro da Várzea, ambos municípios da região metropolitana de Manaus, divulgaram notas para criticar a carta que foi entregue por lideranças indígenas ao Governo do Amazonas e à empresa Potássio do Brasil em apoio à mineração em Autazes. O documento está sendo interpretado como a autorização que faltava para o empreendimento, mas não segue o protocolo Yandé Peara Mura, criado em 2019 pelos indígenas para ser um guia de avaliação de projetos que afetam os territórios tradicionais.
De acordo com os indígenas, ocorreu entre os dias 21 e 22 de setembro uma assembleia na aldeia Terra Preta da Josefa, em Autazes. Na ocasião, estiveram presentes lideranças indígenas de diferentes áreas do território Mura e também o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit.
Uma reportagem da agência Amazônia Real, que obteve o áudio completo da apresentação do empresário, mostrou que houve promessas de pagamento de royalties a indígenas, além de investimento em políticas de competência do poder público, como a criação de escolas e acesso à água potável para todas as aldeias.
Em nota, a aldeia Moyray diz ainda que um não-indígena, nesse caso o presidente da empresa, não poderia participar da reunião. “O nosso Protocolo diz que ‘os não-índios não podem reunir apenas alguns Mura e pedir para eles tomarem uma decisão’. [...] tudo isso foi desrespeitado, desonrado pela comissão que estava conduzindo a reunião”, afirma o posicionamento escrito da comunidade.
Nota emitida pela Aldeia Moyray (Foto: Reprodução)
A divulgação pela empresa e Governo do Amazonas do apoio de indígenas ao projeto de mineração aconteceu exatamente um mês após a Justiça Federal do Amazonas anular o licenciamento que havia sido concedido pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão estadual, ao empreendimento. A juíza Jaiza Fraxe entendeu que a atividade precisa ser avaliada pelo Instituto de Brasileiro e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por afetar terras indígenas de Autazes.
De acordo com nota da aldeia Ponta das Pedras, de Autazes, o presidente da Potássio disse aos indígenas que se a terra Soares/Urucurituba fosse demarcada, não haveria empreendimento. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciou o processo de avaliação do pedido de demarcação da área em agosto, 20 anos após pedido dos indígenas. Parte do projeto da mineradora está sobreposto a essa área.
Nota emitida pela Aldeia Ponta das Pedras (Foto: Reprodução)
Durante a reunião das lideranças indígenas, houve também a aprovação da retirada dos indígenas Mura de Careiro da Várzea do Protocolo Yandé Peara Mura, reduzindo o número de indígenas que devem opinar sobre o empreendimento. Em nota, a aldeia Igarapé-Açú disse que considerava a atitude uma “traição”.
Em nota, indígenas da aldeia Murutinga, onde foi aprovada a criação do Protocolo Mura, há quatro anos, disseram que são contra a decisão das lideranças sobre a mineração. “Na Assembleia, apenas as lideranças da aldeia poderiam falar, sendo que antes houve uma conversa entre eles e que ninguém poderia discordar de nada do que já haviam acertado antes da pauta da reunião”, afirmam os indígenas.
Em nota para a reportagem, o Ministério Público Federal (MPF) ressaltou que a decisão da Justiça Federal de anular a licença do Ipaam e suspender a consulta aos indígenas segue totalmente válida. Além disso, reforça que não há consenso entre os indígenas quanto à exploração de potássio.
Questionada sobre o posicionamento das aldeias a respeito da carta entregue à empresa, a Potássio do Brasil disse que "foi o Conselho Indígena Mura (CIM) que comunicou a mineradora que o Projeto de Autazes estava aprovado".
Além disso, pontuou que o presidente e a equipe da empresa "foram convidados formalmente pelo CIM à participar da Assembleia Geral na Aldeia Terra Preta da Josefa, no dia 22 de setembro". A reportagem havia questionado se a Funai autorizou a entrada no território indígena.
Documento envidado pela empresa Potássio do Brasil, em que o Conselho Indígena Mura comunica a Potássio do Brasil que o projeto de Autazes estava aprovado (Foto: Reprodução)
Por fim, ao responder se a empresa considera a autorização dos indígenas suficiente para avançar com o empreendimento, a Potássio do Brasil informou que "cabe ao órgão licenciador ambiental do Estado (Ipaam) se pronunciar sobre o assunto". Uma decisão da Justiça Federal no mês passado já decidiu que o Ibama é o orgão competente para o assunto, não o Ipaam.