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Aldeias Mura dizem que ‘autorização’ para potássio não seguiu protocolo

Para A CRÍTICA, Ministério Público Federal disse que já estuda providências

Waldick Junior
waldick@acritica.com
27/09/2023 às 18:11.
Atualizado em 27/09/2023 às 22:16

Sérgio Freitas Mura, tuxaua da aldeia Soares, território que está tendo pedido de demarcação avaliado pela Funai após 20 anos da solicitação feita pelos indígenas (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real)

Aldeias do povo Mura em Autazes e Careiro da Várzea, ambos municípios da região metropolitana de Manaus, divulgaram notas para criticar a carta que foi entregue por lideranças indígenas ao Governo do Amazonas e à empresa Potássio do Brasil em apoio à mineração em Autazes. O documento está sendo interpretado como a autorização que faltava para o empreendimento, mas não segue o protocolo Yandé Peara Mura, criado em 2019 pelos indígenas para ser um guia de avaliação de projetos que afetam os territórios tradicionais.

“Muitas lideranças e [integrantes da] parte de comissão das aldeias foram ludibriados e assinaram a ata da reunião como presença, não para aprovação ao projeto [de potássio] ou a outro caso que venha a afetar o povo Mura”, diz nota de indígenas da aldeia Moyray, localizada no município de Autazes.

De acordo com os indígenas, ocorreu entre os dias 21 e 22 de setembro uma assembleia na aldeia Terra Preta da Josefa, em Autazes. Na ocasião, estiveram presentes lideranças indígenas de diferentes áreas do território Mura e também o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit. 

Uma reportagem da agência Amazônia Real, que obteve o áudio completo da apresentação do empresário, mostrou que houve promessas de pagamento de royalties a indígenas, além de investimento em políticas de competência do poder público, como a criação de escolas e acesso à água potável para todas as aldeias.

Em nota, a aldeia Moyray diz ainda que um não-indígena, nesse caso o presidente da empresa, não poderia participar da reunião. “O nosso Protocolo diz que ‘os não-índios não podem reunir apenas alguns Mura e pedir para eles tomarem uma decisão’. [...] tudo isso foi desrespeitado, desonrado pela comissão que estava conduzindo a reunião”, afirma o posicionamento escrito da comunidade.

Nota emitida pela Aldeia Moyray (Foto: Reprodução)

A divulgação pela empresa e Governo do Amazonas do apoio de indígenas ao projeto de mineração aconteceu exatamente um mês após a Justiça Federal do Amazonas anular o licenciamento que havia sido concedido pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão estadual, ao empreendimento. A juíza Jaiza Fraxe entendeu que a atividade precisa ser avaliada pelo Instituto de Brasileiro e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por afetar terras indígenas de Autazes.

Demarcação

De acordo com nota da aldeia Ponta das Pedras, de Autazes, o presidente da Potássio disse aos indígenas que se a terra Soares/Urucurituba fosse demarcada, não haveria empreendimento. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciou o processo de avaliação do pedido de demarcação da área em agosto, 20 anos após pedido dos indígenas. Parte do projeto da mineradora está sobreposto a essa área.

“Nossa comissão se solidariza com o nosso Tuxaua Derlande, que questionou fortemente sobre a afirmação que o senhor Adriano, presidente da Potássio, disse que se tivesse pedido de demarcação na terra de Urucurituba, não teria projeto, que o empresário usou de má fé para humilhar a nossa liderança, colocando um grupo eufórico contra o nosso tuxaua”, diz a nota.

Nota emitida pela Aldeia Ponta das Pedras (Foto: Reprodução)

Divisão

Durante a reunião das lideranças indígenas, houve também a aprovação da retirada dos indígenas Mura de Careiro da Várzea do Protocolo Yandé Peara Mura, reduzindo o número de indígenas que devem opinar sobre o empreendimento. Em nota, a aldeia Igarapé-Açú disse que considerava a atitude uma “traição”.

“Entendemos que é uma desumanidade, traição, retirar os parentes do Protocolo, onde foram vitais no momento que estávamos mais vulneráveis nesse processo do projeto. Nossa aldeia é composta por 95 famílias, mais de 380 pessoas e queremos seguir o que diz nosso Protocolo de Consulta”, diz trecho da manifestação.

Em nota, indígenas da aldeia Murutinga, onde foi aprovada a criação do Protocolo Mura, há quatro anos, disseram que são contra a decisão das lideranças sobre a mineração. “Na Assembleia, apenas as lideranças da aldeia poderiam falar, sendo que antes houve uma conversa entre eles e que ninguém poderia discordar de nada do que já haviam acertado antes da pauta da reunião”, afirmam os indígenas.

MPF vai apurar

Em nota para a reportagem, o Ministério Público Federal (MPF) ressaltou que a decisão da Justiça Federal de anular a licença do Ipaam e suspender a consulta aos indígenas segue totalmente válida. Além disso, reforça que não há consenso entre os indígenas quanto à exploração de potássio.

“O licenciamento da Potássio do Brasil e, consequentemente, a própria consulta estão suspensos por decisão judicial. O MPF está avaliando quais medidas poderão ser adotadas. A constituição do grupo de trabalho da Funai e a sequência dos estudos sobre a demarcação da TI Soares/Urucurituba seguem igualmente válidas, assim como a proibição constitucional em haver mineração em território indígena”, afirma o MPF.

Potássio do Brasil

Questionada sobre o posicionamento das aldeias a respeito da carta entregue à empresa, a Potássio do Brasil disse que "foi o Conselho Indígena Mura (CIM) que comunicou a mineradora que o Projeto de Autazes estava aprovado". 

"O anúncio do apoio do povo Mura ao Projeto Potássio Autazes não foi feito pela empresa e sim pelas próprias lideranças indígenas de 36 aldeias do município ao governador Wilson Lima", disse em nota.

Além disso, pontuou que o presidente e a equipe da empresa "foram convidados formalmente pelo CIM à participar da Assembleia Geral na Aldeia Terra Preta da Josefa, no dia 22 de setembro". A reportagem havia questionado se a Funai autorizou a entrada no território indígena. 

Documento envidado pela empresa Potássio do Brasil, em que o Conselho Indígena Mura comunica a Potássio do Brasil que o projeto de Autazes estava aprovado (Foto: Reprodução)

Por fim, ao responder se a empresa considera a autorização dos indígenas suficiente para avançar com o empreendimento, a Potássio do Brasil informou que "cabe ao órgão licenciador ambiental do Estado (Ipaam) se pronunciar sobre o assunto". Uma decisão da Justiça Federal no mês passado já decidiu que o Ibama é o orgão competente para o assunto, não o Ipaam.

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