ALERTA

Vazante acelerada está causando racionamento em municípios da Calha do Rio Solimões

Monitoramento do governo mostra que 17 municípios estão em estado de atenção, 39 em situação de alerta e três em emergência

Giovanna Marinho
giovanna@acritica.com
19/10/2022 às 13:27.
Atualizado em 19/10/2022 às 14:33

(Foto: Secom / Tefé)

Falta d’água, racionamento de combustíveis e desabastecimento de alimentos. Essa é a realidade em alguns municípios da Calha do Rio Solimões, no Amazonas, que enfrentam uma das maiores vazantes registradas na região. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em Tabatinga, por exemplo, no dia 10 de outubro a cota chegou a 1 metro, a segunda menor desde 2005, quando a metragem era de 2 metros.

Hoje, o Governo do Estado vai apresentar o plano de ação da Operação Estiagem 2022 para o socorro das famílias atingidas pelo fenômeno. Até o momento, o estado possui 17 cidades estão em estado de atenção, 39 em situação de alerta e três em emergência, por causa da seca. 

(Foto: Secom/Benjamin Constant)

No município de Benjamin Constant, no Alto Solimões, o rio começa a encher mas ainda de forma gradativa, mas não o suficiente para que os danos aos habitantes sejam reduzidos e o decreto de situação de emergência ainda é válido. Conforme o secretário de Defesa Civil do município, Ricelly Dácio, embarcações de grande porte ainda precisam fazer um caminho alternativo para entregar as mercadorias.

(Foto: Secom/Benjamin Constant)

 Mais tempo

Na rota convencional para Tabatinga, pela Ilha do Aramaçá, o trajeto que antes durava cerca de 30 minutos, agora demora mais de 1h30 pelo Solimões. O município tenta amenizar a situação de isolamento das famílias entregando cestas básicas e água potável. Hoje a prefeitura juntamente com a Defesa Civil do Amazonas devem realizar um levantamento sobre os prejuízos aos ribeirinhos.

Ao todo, segundo Ricelly, até o momento 64 comunidades afetadas segundo o mapeamento realizado pela própria prefeitura. Faltam alimentos e os que chegam estão com o preço acima da média. O maior problema por lá tem sido o racionamento de combustível que inviabiliza inclusive as ações municipais. 

Fracionado

“Ele [combustível] chega fracionado. As viaturas utilizam gasolina convencional e o diesel S-10 que está em falta. Hoje [terça-feira] íamos descer o rio, mas não fomos, porque estamos sem combustíveis”, relatou o secretário. 

Em Tefé, a situação é ainda mais crítica. As imagens dos sobrevoos dos rios daquela região ganharam as redes sociais ao longo da semana e impressionaram por conta dos imensos barranco de terra que surgiram nas proximidades da sede. Por lá, segundo o secretário de Defesa Civil, Edivilson Braga, o rio continua descendo. 

“É o nosso maior problema. O tempo [de descida] é curto e o poder de resposta ao cenário é outro. Nosso maior gargalo é a dificuldade de acesso para chegar até as comunidades mais distantes e outro fator é a questão do alimento. Uma vez que o rio baixa, eles [ribeirinhos] vivem da caça, da pesca, da agricultura. Falta água boa para consumo”, contou o secretário. 

A Prefeitura de Tefé, segundo ele, tenta gerenciar a escassez de produtos nos pontos mais críticos. “Não tenho sombra de dúvida que essa é a maior estiagem que nós já tivemos. Os bancos de areia que vêm surgindo vem o impedimento de chegada da insumos, alimentação e até mesmo o tráfego de embarcações maiores”, disse Edivilson.

Para o problema da água, serão instalados sistemas de filtros (Salta-Z), para reduzir o número de doenças relacionadas ao consumo sem tratamento. O número de casos de vômito e diarréia tem crescido por lá. Vinte comunidades estão em situação crítica de isolamento, mas ao todo 116 afetada em algum grau. 

(Foto: Secom / Tefé)

Embarcações

O isolamento não é apenas das comunidades distantes. Para não deixar Tefé desabastecida, as embarcações maiores, com cascos de 3 metros de profundidade, descem somente até o trecho mais profundo do rio e repassam as mercadorias para barcos menores, que conseguem trafegar por trechos que chegam a 1 metro e meio de altura. 

(Foto: Secom / Tefé)

A expectativa é que até a próxima semana o rio reduza a velocidade a descida, mas a situação só será normalizada no fim de novembro.

Falta de água potável preocupa

No Médio Rio Solimões, o Município de Codajás registra 34 de um total de 75 comunidades atingidas pela estiagem. Membro operacional da Comissão municipal da Defesa Civil, Helyssylvh Rocha da Silva, disse por meio da Secretaria de Comunicação, que cerca de 680 famílias estão com problemas de acesso a água potável e não conseguem chegar à sede do município para comprar alimentos, por exemplo. 

(Foto: Secom/Codajás)

“A régua que mede está aqui em terra já. Está bem uns 40 metros de distância do rio. Não falta muito para chegar a marca de 2009 [maior vazante registrada no município], não. Mas, o bom sinal é que já está enchendo em Tabatinga, mas essa cheia só vai chegar aqui, daqui um mês mais ou menos. Então ela pode atingir sim a enchente de 2009 porque está secando bastante”, disse Rocha.

Para tentar amenizar os problemas com a falta d’água, a Prefeitura de Codajás tem instalados cisternas nas comunidades afetadas pela descida das águas. Além disso, a partir de quinta-feira uma operação será realizada para perfurar poços e limpar os que já estão instalados. 

(Foto: Secom/Codajás)

“Estamos dando suporte com mangueiras com motor-bomba e algumas regiões têm que ajudar com gasolina”, assegura.

Vazante começou mais tarde

A pesquisadora em Geociências do CPRM Jussara Cury explica que a vazante começou um pouco mais tarde neste ano, e foi mais severa no Solimões, por conta do acúmulo negativo de chuvas. 

Nas extremidades (cabeceiras) dos rios, a chuva começa a ganhar força. Mesmo assim a estiagem já deixou marcas históricas. 

“A gente sabe que é um período de estiagem, só que nesses dois meses nós tivemos um acúmulo negativo de chuvas em toda a região que de certa forma acumulou a intensidade de descida dessas águas”, disse Jussara.

No Rio Negro, segundo ela, a intensidade da subida ainda está menor do que a descida. Na região mais alta, por exemplo, a subida chega a 10 centímetros, mas na região mais baixa, como em Manaus, a água ainda recua 20 centímetros ao dia. O que, conforme a pesquisara, indica que essa vazante ainda vai continuar. 

“O boletim climatológico da semana indica chuvas em toda a bacia [do Rio Amazonas]. Então, a partir do período do retorno das chuvas as cotas podem estabilizar e parar a recessão. Pela série histórica, é que a vazante seja encerrada na primeira semana de novembro, mas depende do retorno das chuvas e contribuição das cabeceiras”, pontuou.

Comentário 

Willy Hagi - Meteorologista: A vazante desse ano vem se desenvolvendo dentro do contexto de uma estação seca mais seca que o normal. O volume de chuvas abaixo da média histórica no Amazonas e na Região Norte em geral vem sendo observado desde meados de junho a agosto, então são cerca de quatro a cinco meses com precipitação menor que o normal. Além dessa falta de chuvas, as altíssimas temperaturas ao longo dos últimos tempos também ajudaram a amplificar a redução da umidade até configurar essa situação de seca. Ao que tudo indica, todo o excedente de umidade resultante das últimas duas cheias históricas de 2021 e 2022 já foi perdido.  Mesmo assim, o início da estação chuvosa de 2022-2023 já começa a aparecer pelo Amazonas com a volta de níveis elevados de precipitação e bem superiores aos dos últimos meses. Pode demorar mais algumas semanas até a Vazante chegar ao fim, dependendo do volume de chuvas, mas uma lição prática dos últimos anos é que nós podemos sair de um extremo climático para outro de uma forma muito rápida.

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