Corrida do ouro

Centenas de balsas de garimpo ilegal invadem trecho do rio Madeira a apenas 120 km de Manaus

Moradores das redondezas estão apavorados; Prefeitura de Autazes pede reforço federal; e Ipaam informa que vai apurar a real situação no local

Luciano Falbo
luciano.falbo@acritica.com
23/11/2021 às 20:52.
Atualizado em 02/11/2023 às 22:50

(Trecho invadido fica nas proximidades da comunidade Rosarinho, em Autazes. Fotos: Silas Laurentino - 23/nov/2021)

O rio Madeira, nas proximidades de Manaus, foi invadido por centenas de balsas com dragas de garimpo ilegal. As embarcações estão descendo o rio atrás de ouro há pelo menos duas semanas e, nesta terça-feira (23), chegaram a Autazes, a penúltima cidade antes da foz do rio – que deságua no rio Amazonas.

As dragas, que sugam o leito do rio em busca do minério, estão em um porto próximo da comunidade Rosarinho, perto do limite com o município de Nova Olinda do Norte e a apenas 120 quilômetros em linha reta da capital Manaus.

A invasão do trecho começou há cerca de duas semanas, de forma progressiva, após circular a "fofoca" de que haveria uma grande quantidade do minério sendo encontrada lá.

Historicamente, a exploração ilegal acontece com maior intensidade no Alto Madeira, principalmente na região limítrofe ao estado Rondônia, que em janeiro deste ano autorizou e regulamentou os garimpos no seu território e revogou um decreto que proibia extração de minério no rio Madeira, no trecho da divisa estadual com o Amazonas, onde a prática continua sendo ilegal.

A partir daí, houve uma explosão da atividade nesta parte mais ao sul do território amazonense. Mas, a invasão de garimpeiros em grande escala na região entre Autazes e Nova Olinda pegou todos de surpresa. Moradores estão com medo, pois, além da poluição do rio, os garimpeiros andam armados.

A Prefeitura de Autazes informou ao A CRÍTICA que notificou o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e que também acionou a Marinha, a Polícia Federal e o Ministério do Meio Ambiente.

“Não podemos permitir que essa atividade que é ilegal coloque em risco a vida dos moradores do Rosarinho e, consequentemente, de toda a região. Os ribeirinhos e comunitários solicitaram que a prefeitura os ajudassem a preservar o rio, os peixes e o seu trabalho”, disse o prefeito Andreson Cavalcante (PSC), em nota.

O Ipaam, por sua vez, confirmou que tomou conhecimento das denúncias sobre a movimentação de balsas de garimpo na região e afirmou que “será feito um diagnóstico apurando a real situação no local”. O instituto reforçou que as atividades de exploração mineral naquela região não estão licenciadas. “[...] portanto, se existindo de fato, são irregulares”.

Mais ilegalidades devem ser apuradas

O órgão estadual destacou que, em situações de garimpo como esta, pode haver outras possíveis ilegalidades que devem ser investigadas, como mão de obra escrava, tráfico e contrabando.

O ambientalista Danicley Aguiar, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, sobrevoou o trecho invadido nesta terça.

“A cidade de Autazes foi pega de surpresa. Ao sobrevoar, nos deparamos com centenas de balsas. E o pior: na beira da maior cidade da Amazônia, Manaus”, disse em entrevista ao A CRÍTICA. “Estimam que há de 300 a 600 balsas por lá”, detalhou.

Sem um monitoramento efetivo das autoridades, a exploração garimpeira no Madeira virou um verdadeiro “vale-tudo”, segundo Aguiar.

“Enquanto o mundo busca resolver as questões climáticas, o Brasil dá um sinal trocado em relação à questão ambiental permitindo situações como essa”, declarou.

'Licença política'

Para Aguiar, “as ações e omissões do governo Bolsonaro” na temática ambiental são as principais causas desse vale-tudo.

“Não há licença ambiental, mas há uma licença política. E, assim, os garimpeiros se sentem livres para continuar no ciclo destrutivo, chegando a essa situação extrema”, disse. “Precisamos romper com esse lamentável ciclo de economia destrutiva”, defendeu.

O ambientalista disse que esse cenário atual de avanço das atividades ilegais como o garimpo é fruto de um processo. “Não começa da noite para o dia”, observou, ao citar a crise em Humaitá em 2017, quando garimpeiros fogo em prédios do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “De lá para cá, a situação só piorou”, avaliou.

Aguiar disse que provavelmente as dragas vieram da região do Alto Madeira. “Demoraram cerca de duas semanas para chegar até Autazes”, estimou. “Daria tempo suficiente para os órgãos do governo federal e do governo estadual se mexerem e fazer alguma coisa para impedir isso”, completou.

Ipaam se manifesta

Na nota à redação, o Ipaam destacou que “há competência de órgãos federais na referida situação, considerando a Lei Federal Complementar 140/201, que trata sobre as ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas”.

De acordo com o instituto, a atividade de garimpo ilegal também resulta em problemas de ordem econômica, social e fiscal, “o que requer o envolvimento de diversas forças para um enfrentamento efetivo do problema”.

“Desta forma, o Ipaam está buscando informações, com intuito de planejar e realizar as devidas ações no âmbito de sua competência, integrado aos demais órgãos estaduais e federais”, encerrou.

A CRÍTICA entrou em contato com o Ibama, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.

Preocupação com uso do mercúrio

Uma das principais preocupações em relação à atividade ilegal é quanto ao despejo de mercúrio, que é usado para separar o ouro dos sedimentos. A contaminação pode afetar o bioma e traz riscos significativos para a saúde humana por provocar, entre outras coisas, danos neurológicos.

Foto: Silas Laurentino - 23/nov/2021

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