Moradores das redondezas estão apavorados; Prefeitura de Autazes pede reforço federal; e Ipaam informa que vai apurar a real situação no local
(Trecho invadido fica nas proximidades da comunidade Rosarinho, em Autazes. Fotos: Silas Laurentino - 23/nov/2021)
O rio Madeira, nas proximidades de Manaus, foi invadido por centenas de balsas com dragas de garimpo ilegal. As embarcações estão descendo o rio atrás de ouro há pelo menos duas semanas e, nesta terça-feira (23), chegaram a Autazes, a penúltima cidade antes da foz do rio – que deságua no rio Amazonas.
As dragas, que sugam o leito do rio em busca do minério, estão em um porto próximo da comunidade Rosarinho, perto do limite com o município de Nova Olinda do Norte e a apenas 120 quilômetros em linha reta da capital Manaus.
A invasão do trecho começou há cerca de duas semanas, de forma progressiva, após circular a "fofoca" de que haveria uma grande quantidade do minério sendo encontrada lá.
Historicamente, a exploração ilegal acontece com maior intensidade no Alto Madeira, principalmente na região limítrofe ao estado Rondônia, que em janeiro deste ano autorizou e regulamentou os garimpos no seu território e revogou um decreto que proibia extração de minério no rio Madeira, no trecho da divisa estadual com o Amazonas, onde a prática continua sendo ilegal.
A partir daí, houve uma explosão da atividade nesta parte mais ao sul do território amazonense. Mas, a invasão de garimpeiros em grande escala na região entre Autazes e Nova Olinda pegou todos de surpresa. Moradores estão com medo, pois, além da poluição do rio, os garimpeiros andam armados.
A Prefeitura de Autazes informou ao A CRÍTICA que notificou o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e que também acionou a Marinha, a Polícia Federal e o Ministério do Meio Ambiente.
O Ipaam, por sua vez, confirmou que tomou conhecimento das denúncias sobre a movimentação de balsas de garimpo na região e afirmou que “será feito um diagnóstico apurando a real situação no local”. O instituto reforçou que as atividades de exploração mineral naquela região não estão licenciadas. “[...] portanto, se existindo de fato, são irregulares”.
O órgão estadual destacou que, em situações de garimpo como esta, pode haver outras possíveis ilegalidades que devem ser investigadas, como mão de obra escrava, tráfico e contrabando.
O ambientalista Danicley Aguiar, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, sobrevoou o trecho invadido nesta terça.
Sem um monitoramento efetivo das autoridades, a exploração garimpeira no Madeira virou um verdadeiro “vale-tudo”, segundo Aguiar.
Para Aguiar, “as ações e omissões do governo Bolsonaro” na temática ambiental são as principais causas desse vale-tudo.
O ambientalista disse que esse cenário atual de avanço das atividades ilegais como o garimpo é fruto de um processo. “Não começa da noite para o dia”, observou, ao citar a crise em Humaitá em 2017, quando garimpeiros fogo em prédios do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “De lá para cá, a situação só piorou”, avaliou.
Aguiar disse que provavelmente as dragas vieram da região do Alto Madeira. “Demoraram cerca de duas semanas para chegar até Autazes”, estimou. “Daria tempo suficiente para os órgãos do governo federal e do governo estadual se mexerem e fazer alguma coisa para impedir isso”, completou.
Na nota à redação, o Ipaam destacou que “há competência de órgãos federais na referida situação, considerando a Lei Federal Complementar 140/201, que trata sobre as ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas”.
De acordo com o instituto, a atividade de garimpo ilegal também resulta em problemas de ordem econômica, social e fiscal, “o que requer o envolvimento de diversas forças para um enfrentamento efetivo do problema”.
“Desta forma, o Ipaam está buscando informações, com intuito de planejar e realizar as devidas ações no âmbito de sua competência, integrado aos demais órgãos estaduais e federais”, encerrou.
A CRÍTICA entrou em contato com o Ibama, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.
Uma das principais preocupações em relação à atividade ilegal é quanto ao despejo de mercúrio, que é usado para separar o ouro dos sedimentos. A contaminação pode afetar o bioma e traz riscos significativos para a saúde humana por provocar, entre outras coisas, danos neurológicos.
Foto: Silas Laurentino - 23/nov/2021